O que nos sustenta, derruba e constitui

 

 

Harmonia - ou saber o que ocorre - é fundamental para existirmos, mas é também o limite, é como estar entre quatro paredes.

 

Definir harmonia como saber o que ocorre implica em dizer que quando ela é valorada assim, ela pode ser sinônimo tanto de algo bom quanto de algo mau. Nesse sentido, viver em guerra pode ser viver em harmonia, assim como também pode ser uma vida em harmonia viver em brigas e situações cotidianas nas quais o grito, a agressão são constantes. O uso da palavra harmonia em sua abrangência sinonimiza certeza, junção, encaixe, é saber que o que acontece continua acontecendo, não importa se o que acontece é bom ou ruim.

 

Como seres humanos vivemos em universos de certezas: o dia é sempre mais claro que a noite, as ondas do mar ecoam. Vivenciar o que ocorre implica sempre em participação. Participar, fazer parte, coexistir, dialogar, perceber é constatação, mas é também prolongamento perceptivo: é pensar.

 

Estar diante do outro, do que ocorre é, a partir do encontro, atingir continuidades, decorrências. É a constante relacional que nos humaniza ou desumaniza. Quando o encontro é esgotado pelo próprio encontro, não gera decorrências, prolongamentos, não há pensamento. Essa evidência contingencia, harmoniza, situa, abriga, desabriga, equilibra, desequilibra. A contundência do encontro é esclarecedora, se esgota em si mesma, harmoniza e humaniza ou desumaniza. Situa e esclarece.

 

Ao perceber o que está diante pode haver também distorção perceptiva resultante de divisões, fragmentações geradas pelo autorreferenciamento no qual o que é percebido, o que está existindo aqui e agora é traduzido, referenciado em contextos anteriores, ou contextualizados em ampliações e deslocamentos para o futuro, o depois, o não existente construído por desejos e medos. O que acontece é sempre propiciador de percepção do que não aconteceu ou do que poderia ter acontecido se não estivesse acontecendo. Essa avaliação quebra a totalidade do acontecer pois ela é invadida pela cogitação que acrescenta ou diminui, enfim, que metamorfoseia o acontecido.

 

No entanto, o que acontece, acontece, não muda, nem interfere nesse acontecimento – é o dado relacional. A percepção dele feita pelo indivíduo é configuradora de outros acontecimentos, outras interseções, outras relações. Essa miríade de percepções é o que nos sustenta, derruba e constitui. Ir além dela é a transcendência que possibilita a continuidade do existir. Não nos determos no nível de sobrevivência é o que nos humaniza. É assim que transcendemos limites, quebramos rotinas, e exercemos possibilidades relacionais. Existir é diferente de sobreviver. Existir é integrar limites e transformá-los em possibilidades, continuidade que ultrapassa a monotonia do sobreviver.

 

📕


Meus livros mais recentes

- "Emparedados pelo vazio - Bem-estar e mal-estar contemporâneos", Vera Felicidade de Almeida Campos, Editora Labrador, São Paulo, 2025


📌 À venda em várias livrarias, para compra na Amazon, aqui 

📌 Para compra no Site da Editora Labrador, clique aqui

 



- "Autismo em Perspectiva na Psicoterapia Gestaltista", Vera Felicidade de Almeida Campos, Editora Ideias & Letras, São Paulo, 2024

📌 À venda em várias livrarias, para compra na Amazon, aqui 

📌 Para compra no Site da Editora Ideias & Letras, clique aqui

 


 

Comentários

Os mais lidos

Polarização e Asno de Buridan

Oprimidos e submissos

Sonho e mentiras

Zeitgeist ou espírito da época

Formação de identidade

Mistério e obviedade

Misantropo

Percepção de si e do outro

A ignorância é um sistema

Solidão