Ser humano - I
O homem, antes de qualquer coisa, é um ser humano. Essa afirmação o classifica na escala dos seres vivos como humano. Seres vivos compreendem Homo sapiens, animais, vegetais e micro organismos tais como bactérias, algas e fungos. Na escala zoológica, o ser vivo mais desenvolvido é o humano. É a complexidade de suas células, agrupadas sob forma de tecidos e órgãos, que lhe possibilita estar nessa posição. Graças a sua estrutura biológica, ele dispõe de maiores condições de relacionamento, alcançando e realizando uma série de possibilidades.
Ele se configura e define por sua possibilidade de relacionamento, e essa abrangência lhe permite vivências amplas. Em uma analogia geométrica, pela verticalidade realiza vivências temporais, e pela horizontalidade exerce o estar no mundo constituído como ponto de encontro de inúmeras coordenadas, de infinitos dados relacionais. Estar no mundo se caracteriza por incontáveis aspectos que podem ser entendidos como imanentes ou aderentes.
A imanência humana é qualificada e exercida por tudo que a define, isto é, pelo estar no mundo com o outro, seu semelhante. É essa imanência relacional, essa possibilidade de relacionamento que situa o homem. Nesse sentido, ele é o que pode se relacionar com o outro. Ao dizer isso não estamos reduzindo o relacionamento à esfera humana. Animais também se relacionam, porém dentro de padrões, parâmetros e limites restritos e específicos.
A capacidade e possibilidade de se relacionar resulta de estar diante do outro, do mundo e de si mesmo. Em outras palavras, é a disponibilidade, a constatação, o não estar referenciado em si mesmo, nos próprios limites e aberturas, necessidades e possibilidades que permitem isso. Podemos agora falar do ser humano como resultado de disponibilidade e constatação.
Quando se está disponível, ou seja, quando não se está comprometido com metas, desejos e ambições, se percebe o que ocorre como o que está ocorrendo, sem convergências anteriores ou posteriores. Essa isenção, esse não comprometimento é humanizador, pois coloca o ser humano no presente, diante do outro e do que está acontecendo. É essa vivência do presente, do estar diante, que dinamiza, humaniza e impede a coisificação, o aniquilamento das possibilidades. Quando se utiliza as vivências do que acontece como referenciais voltados para estabelecer, confeccionar mapas orientadores, se começa a construir processos de autorreferenciamento, e, assim, o outro é transformado em categoria, dado instrumental que irá esclarecer sobre o que buscar e o que evitar.
Pensar o outro em função dos próprios interesses, desejos e motivações acaba com a espontaneidade do encontro, do que ocorre, e, ainda, o utiliza como farol, indicação para realização de desejos e exílio de medos e temores.
Para manter a
integridade, não se despersonalizar é necessário não se deter, não estacionar,
não parar diante de oásis maravilhosos ou desertos perigosos.
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"Para haver mudança não basta vontade e desejo de mudar, são necessárias antíteses, situações, realidades que se antagonizem" - Vera Felicidade, in: Emparedados pelo vazio - Bem-estar e mal-estar contemporâneos
"Transformar o indivíduo que está impermeabilizado em participante, via enfoque psicoterápico, é criar novos encontros, novas configurações" - Vera Felicidade, in: Autismo em perspectiva na Psicoterapia Gestaltista




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