Diferenças nas psicoterapias

Toda psicoterapia é semelhante em seus objetivos de melhorar, individualizar, criar condições para resolver as problemáticas que infelicitam o ser humano, entretanto, esta igualdade se dissolve, aparecem grandes diferenças, quando consideradas as fundamentações teóricas, conceituais, metodológicas responsáveis pela visão do que é comportamento, do que é ser humano, consequentemente, de como tratar e modificar os problemas humanos.

Além da psicoterapia gestaltista, atualmente podemos ordenar as psicoterapias em dois grupos principais: psicanalíticas ou de fundamentação freudiana e as baseadas em neurologia, biologia. Orgânico, biológico, neurológico estão, assim, conceitualmente opostos ao psicológico. A gestalt therapy, de Fritz Perls, apesar de falar em gestalt, fundamenta-se em dualismos e mantém o conceito de inconsciente. Perls dizia "perca sua mente e ganhe seus sentidos".

O que caracteriza o pensamento de visão psicoterápica, ao longo das épocas, é o dualismo, a separação entre homem e mundo. Os freudianos pensam o homem em oposição ao mundo (homem x mundo); os funcionalistas - William James e agora os neurologistas - acham que há uma interação (homem e mundo), organismo e funções; os behavioristas postulam que tudo decorre do processo de aprendizagem, é o homem do mundo. Assim, Descartes e Aristóteles continuam nas divisões corpo e alma (Descartes), tanto quanto nos reducionismos classificatórios (Aristóteles).

Na psicoterapia gestaltista considero o homem no mundo uma gestalt, uma unidade, integrando os conceitos da gestalt psychology e atualizando-os através das visões fenomenológica e dialética (inexistentes na gestalt psychology). No processo de criação da psicoterapia gestaltista, chegar a esta conclusão foi básico e definidor para mim, pois, ao enfocar os processos psicológicos, pensava na relação. Mesmo na gestalt psychology havia divisão entre homem e mundo, orgânico e psíquico, corpo e alma; não era enfatizada a relação. Para mim, a relação é o que existe e através dela falo em possibilidades e necessidades. O homem está no mundo limitado por necessidades orgânicas, processos biológicos e libertado pelas suas possibilidades relacionais, que são infinitas, desde que não se posicione no sobreviver.

O tratamento psicoterápico, sob o ponto de vista da psicoterapia gestaltista, é propiciar mudança da percepção do indivíduo acerca dele próprio e dos seus referenciais, consequentemente de "seu" mundo (homem-no-mundo é uma unidade). Isto só é possível ao globalizar sua divisão, segmentações estruturais geradas pelo autorreferenciamento criado pela não aceitação estruturadora de metas, desejos e demandas.*

Trabalhando a percepção, desde que perceber é conhecer, muda-se o comportamento. Na psicoterapia gestaltista, não existe inconsciente, consciente ou instinto. Tudo é relação, tudo é processo dialético. As globalizações terapêuticas são responsáveis por questionamentos e configuração das problemáticas. O processo terapêutico é "arte do diálogo", bem diferente da "arte da escuta" freudiana.

Koffka, Koehler e Wertheimer, gestaltistas clássicos, não estabeleceram procedimentos psicoterápicos; estavam dedicados a modificar os conceitos psicofisiológicos quantitativos e o conceito de sensação como captação de dados posteriormente elaborados pela percepção. Jamais imaginaram a percepção como sinônimo de conhecimento, jamais afirmaram que perceber é conhecer, como afirmo, pois que estavam comprometidos com visões elementaristas e dualistas, apesar de seu conceito de gestalt - globalização que só aplicavam ao considerado mundo físico. Esta divisão era típica da época, início do sec.XX e correspondia ao esforço de transformar a psicologia em ciência. Eu, beneficiada pelos estudos de percepção da gestalt psychology e pela  formação em materialismo dialético e fenomenologia (Husserl), pude unificar o dividido, afirmando que o homem está no mundo e que perceber é conhecer; esta é sua estrutura relacional significativa, que anteriormente era chamada de consciência.

Infelizmente a idéia de relação, de relacional, ainda se perde na densidade contingente dos pontos de partida, das causas prévias: traumas, instintos, repressões, vocações, mapas genéticos.

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* Para quem interessar leitura sobre o desenvolvimento dos conceitos por mim criados, clique aqui: "Criação, questões e soluções da psicoterapia gestaltista", Revista E-PSI



- "Psicoterapia Gestaltista Conceituações" de Vera Felicidade de Almeida Campos
- "Mudança e Psicoterapia Gestaltista" de Vera Felicidade de Almeida Campos
- "Trois Essais sur la Théorie Sexuelle" de Sigmund Freud


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Vera, esse texto foi um presente hoje! De uma maneira muito acessível você separou o joio do trigo. Ler esse texto é fundamental para quem quer começar a entender a psicoterapia gestaltista. Beijos.

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