Arrumação
A organização é intrínseca aos processos perceptivos, a própria Lei de Figura/Fundo* possibilita isto, tanto quanto possibilita distorção, desorganização. Tudo vai depender das relações estabelecidas com o mundo, com os outros. Quando a imanência dos processos relacionais organiza e isto é permanentemente continuado através de questionamentos e mudanças, se estrutura autonomia ou na linguagem comum se estrutura auto-confiança. Se os questionamentos são decorrentes de metas, desejos e medos eles geram posicionamentos advindos de certezas e crenças, que ao organizarem o não existente - o futuro - desorganizam o presente.
As sociedades, através de suas instituições, principalmente as educativas e religiosas, procuram organizar, educar e acenar com explicações geradoras de conforto e paz diante das vicissitudes. Educação, quando focada em necessidades a satisfazer, se constitui em um verdadeiro atentado ao humano e a religião ao tentar organizar o medo, através da fé, mobiliza o egoismo, prometendo vida eterna, paraiso etc ou quando busca melhorar a impotência, recordando que poderia ser pior, se constitui em fator de alienação. Administrar medos, esperanças e dificuldades é um dos principais objetivos religiosos.
Qualquer organização extrínseca aos processos se transforma em poder alienante; as arrumações, então, são necessárias e frequentes para que se consiga exigir subordinação a rituais, regras e padrões.
Religião oprime quando busca conduzir indivíduos aos pontos de certeza postulados por outros. Viver sob a égide de uma religião é uma maneira de alienar-se.
Religião é sensibilidade, é criatividade quando é encontro consigo mesmo através do outro, quando não é regra/ritual a ser processado em função de arrumações que precisam ser mantidas. Ser religioso é estar livre, aberto ao outro, ao mundo, ao absoluto/relativo da existência; é estar disponível para a possibilidade de transcendência - experiência do além do limite e circunstâncias - aplacando assim os problemas ao realizar continuidade humana além dos obstáculos sobreviventes. A religião institucionalizada tenta organizar, mas pode estar alienando quando transformada em mediação entre o contingente e o absoluto. O dito espiritual transcende as formas religiosas e suas arrumações.
Flexibilizações, dispersões também organizam e arrumam ao separar o joio do trigo, ao entender o constituído e o constituinte, ao perceber igualdade e diferenças como sinônimos. Tudo vai depender da liberdade ou do compromisso.
A organização transforma se for intrínseca aos processos vivenciais; quando ela é aderente, fracassa, é armadura esmagadora do humano.
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* Gestalt - Reversibilidade perceptiva, lei da percepção: o que se percebe é a Figura, estruturada em um Fundo não percebido, quando o Fundo é percebido ele se torna Figura; são reversíveis, a Figura se transforma em Fundo e vice-versa.
- "Galileu" de Philip Steele
- "Joana d'Arc, a lenda e a realidade" de Frances Gies
- "Sociedade Sem Escola" de Ivan Illich
verafelicidade@gmail.com
Foi muito bom ler esse post, Vera. Obrigada. Beijos.
ResponderExcluirObrigada a você, Clarissa.
ExcluirBeijos, Vera