Vitimização e reivindicações

A manutenção de qualquer sistema - orgânico ou inorgânico - necessita de entrada e saída, input-output. Sistemas necessitam de um escoadouro, de uma porta onde colocar o resíduo, o lixo. Tanto alimentação, quanto descarte de resíduos, são uma imposição. Sistemas de poder, por exemplo, para manterem-se, necessitam de antítese ao esvaziamento resultante de suas atuações: desenvolvem arremedos de ações comunitárias que aliciam grupos, populações inteiras como massa de manobra e assim evitam a estagnação. A ideia de justiça, que na Inquisição foi abalada pela Igreja, foi também salva através do sacrifício das bruxas. Nas ditaduras, os mesmos que redigem lemas para a segurança nacional são os que torturam, aprisionando, excluíndo, e nesses contextos, vítimas são bode expiatórios, senhas para manter a ordem imposta. Da mesma forma, na dinâmica dos relacionamentos individuais, com infinitas situações e demandas, com níveis de sobrevivência e de existência, os sistemas mediadores são pregnantes (família, escola, trabalho, status, desejos e propósitos): indivíduos precisam de respiradouros e a fragmentação, o deslocamento passa a ser o canal de acesso a essas estruturas. Automatizando-se pelas demandas de sobrevivência, apoiam-se em conveniências necessárias à manutenção de suas vidas e propósitos.

Ser um ponto de confluência de abusos, de usos e desconsiderações, cria as vítimas, os sacrificados, os humilhados. Vitimizar-se é também assinar embaixo e concordar com a própria incapacidade de continuar o movimento de contradições relacionais. Nesse sentido, a vítima é o ponto de fuga, é o tentar qualquer coisa para negar a sua impotência e incapacidade. Perdendo-se em generalizações, o indivíduo continua a coisificação despersonalizante do sobreviver. Sem questionamento, vem a alienação, o desejo de ser cuidado e protegido, vêm os enganos, consequentemente, a infinita criação de bodes expiatórios, saídas residuais dos sistemas.

Vitimizar-se é aguardar e esperar melhoria ou redenção dos próprios atos. Submeter-se aos processos alienantes transforma o indivíduo em um receptáculo de expectativas, deixando-o posicionado, apto a receber todo o resíduo, tudo que sobra ou é demais.

Posicionar-se como ponto final de processos é alcançar - recebendo sobras - um sentido de vida, mesmo que seja o de vítima. Essa submissão, essa passividade é negar-se como ser no mundo, é transformar-se no que recebe, tanto quanto no que sofre, é a vitimização. Vitimização essa, necessária à sobrevivência dos sistemas de poder, criadores de seres coisificados, objetos à disposição de configurações alienantes e massacrantes, que os alimentam e suportam. Nesse contexto, engrossam as fileiras dos que se vitimizam: os delatores, os torturadores os empenhados em buscar melhores condições para sobreviver, enfim, os que contribuem para manutenção de sistemas despersonalizantes. Reivindicar é tentar transformar submissão em atividade, consequentemente é uma maneira de amplificar os contextos apassivadores, os arremedos de ações sociais e afetivas.

















- “Anti-Dühring” de Friedrich Engels
- “Um passo em frente, dois passos atrás” de Vladimir Ilitch Ulianov Lenin

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