Envolvimentos desintegradores
Alguns envolvimentos afetivos sedam e apenas aplacam necessidades. Aplacar necessidades, das sexuais às de sobrevivência, é transformar o outro e a si mesmo em objeto, ou ainda, é manter e preservar um posicionamento contingente. Perceber o outro como possibilidade de satisfação e realização é uma maneira de estancar dificuldades, pendências e carências.
A percepção do outro, quando se esgota em si mesma, quando não atribui valores, vantagens ou desvantagens, cria um contexto de disponibilidade, de vivência não atributiva, que pode integrar individualidades díspares. É a magia do encontro, do amor, frequentemente acontecendo, mas raramente continuando. A disponibilidade, a descoberta de outro ser, pode existir, mas, quando as estruturas são fragmentadas, posicionadas, autorreferenciadas, a duração deste processo é curta. São os átimos de paixão, os arroubos de ilusão, o desespero do desejo, facilmente atropelados, superados pela realidade da não aceitação. Quando o indivíduo não se aceita, ele quer ser aceito, está sempre buscando isto e consequentemente encontra, só que tenta desconsiderar este preenchimento, raciocinando no contexto de sua não aceitação: “se me aceita, é pior do que eu”, não vale à pena manter. Esta avaliação e constatação impulsiona a continuar buscando - é a conquista. Este procurar, encontrar e não valorizar são alienantes e esvaziadores. Alguma coisa, aparentemente diferente disto, acontece quando as pessoas são rejeitadas, quando não são aceitas; é o estímulo, a motivação para a conquista, vira objetivo de vida, configura vítimas e eternos apaixonados, esperando redenção dos atos, realização dos desejos.
Não se aceitar é o verdadeiro drama humano, pois estabelece a meta de querer ser aceito, meta desorganizadora e esvaziadora de quaisquer relacionamentos, principalmente os íntimos. Neste panorama, a solução encontrada é virar objeto de desejo, ser cobiçado. Toda a massificação do sistema hodierno, através da indústria da beleza e do que pode parecer poderoso, cria ícones, verdadeiros duplos, formas que podem abrigar a estereotipia e as demandas de sedução. O exercício deste aspecto processual gera outro processo: o deslocamento sob forma de doenças, depressão, fobias, inseguranças. Surgem necessidades de remédios, massagens fisioterápicas, aulas de reeducação postural, psicoterapias, etc. Todo um trabalho para manter o impossível de ser mantido: a fragmentação, o desespero gerado pela desumanização, pela insatisfação, pelo vazio, pelo estar situado, apenas com envolvimentos mecânicos, anestesiadores e úteis.
- “Do Amor”, de Stendhal
verafelicidade@gmail.com
Comentários
Postar um comentário