Desvitalização

Viver esperando realizar os próprios sonhos, esperando atender as necessidades e ter reconhecidas e satisfeitas suas demandas, desconecta o indivíduo de sua realidade presente, realidade esta geralmente cheia de embaraços e obstáculos. Frequentemente estes obstáculos são considerados incômodos e o pressionam a esquecê-los, escondê-los em expectativas e desejos solucionadores.

Estar desconectado da realidade, seja por negá-la, desconhecê-la ou detestá-la, cria interrupções destruidoras da continuidade do estar no mundo, produzindo fragmentação e posicionamentos polarizadores de direções alheias às sequências processuais das vivências individuais. Este processo implica em perda de autonomia, gera insegurança e deixa a pessoa entregue às expectativas que escapam de sua ação e controle: ela se circunstancializa. Circunstâncias sempre são aderências, sempre são estruturadas em outros contextos diferentes daqueles aos quais contingencia, e viver em função de circunstâncias exila, aliena e segmenta, dificultando sequências relacionais.

Viver a circunstância é iniciar o processo de falta de motivação, de desânimo. Motiva-se quando atinge metas, embora nada continue, nada signifique pois as circunstâncias são anódinas, nada identificam, mesmo quando revelam e caracterizam situações. O bem de hoje, o péssimo de amanhã, esta reversibilidade estonteia, confunde e gera ansiedade. Quanto mais atinge objetivos, mais confundido, mais ansioso fica.

A ansiedade desorganiza, homogeneíza e transforma tudo em positivo ou negativo ao gerar valores, aumentando a circunstancialização e a expectativa. Ela cria autômatos que seguem ou evitam oscilações. Extenua, desanima e infelicita. Neste emaranhado, busca-se escapar, sonhar, desejar e consequentemente se estabelece as linhas de espera. Aguardar o que vai acontecer, inicialmente reforça os sonhos e desejos, para logo em seguida esvaziá-los. São como bolhas de sabão, sopradas e frágeis, arrebentando ao menor encontro, ao pequeno atrito com qualquer superfície delas diferente.

O cotidiano pautado na espera, desanima. Só se espera quando se abandona o presente, a realidade que se vivencia, o que define e nutre as vivências. Perdendo esta fonte alimentadora surge o enfraquecimento, o indivíduo fenece, desanima. Enfrentar o dia-a-dia, seus obstáculos, dificuldades e possibilidades, é sempre motivador. Evitá-los, substituindo-os pelo que se quer, pelo que se sonha e anima, é um deslocamento criador de desânimo e desvitalização.




“Esperando Godot”, de Samuel Beckett

verafelicidade@gmail.com

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