Apropriação

Não se aceitando, buscando ser aceito, buscando impressionar, mas sem recursos próprios, o indivíduo apropría-se de vivências, de conhecimentos e histórias alheias para compor uma imagem que signifique dentro de padrões valorizados. Está sempre repetindo opiniões e ações de outros como se fossem suas, falta-lhe autenticidade. Seus esforços direcionam-se a observar para apropriar-se, tudo se transforma em informações a serem acumuladas e utilizadas.

Viver amealhando vivências de outros é realizar colagens descontextualizadas, misturas sem consistência, imagens despersonalizadas. Tudo é realizado em função de agradar, de marcar presença, mas, para isto, é preciso esconder e despistar a própria incapacidade, não ser percebido como quem imita e copia, é preciso manter as imagens que garantam o disfarce, que evitem ser descoberto.

O processo de apropriação transforma os outros e a si mesmo em objeto, necessariamente levando a enganos, mentiras e violência. A coisificação do humano é responsável por maldades, em pequena e grande escala, atitudes voltadas para garantir o apropriado indevidamente, para manter a imagem falsa a ser usada, continuamente e sem falhas, sempre servindo-se dos outros para este objetivo, conseguindo a todo custo, esconder-se sob a apropriação. É um comportamento sorrateiro, que encontra na contemporaneidade um campo fácil de atuação em ambientes virtuais, mas, não nos esqueçamos que esta atitude exercida na surdina sempre existiu e é justamente off-line onde é mais difícil de ser detectada: quanto maior o nível de apropriação, mais injustiças, vantagens, poder.





“Número Zero”, de Umberto Eco

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