Motivação pontualizada

A maior parte das teorias psicológicas entende motivação como intrínseca ao organismo humano: nossas necessidades primárias - sexo, sono, fome, sede - são drives responsáveis pelo comportamento (na visão dos behavioristas), são os motivantes da conduta. Na psicanálise, estas necessidades primárias foram entendidas como demandas instintivas, vindo daí a motivação para o comportamento. Para os gestaltistas, a motivação é externa ao organismo, portanto, não existem ‘motivações inconscientes’, não existe orgânico, mental, inconsciente como determinantes do comportamento.

“Entendo que o ser humano está sempre motivado pois sua vida é relacional. Para mim perceber é relacionar-se, então entender motivação é entender o processo relacional do ser humano no mundo. É o estar no mundo, ser é ser (estar) motivado, em última análise. Como explicar, dentro dessa conceituação, as abulias, as depressões, as apatias, o isolamento, a recusa à participação? Se o ser humano está sempre em um processo relacional, ele está sempre motivado, é uma característica psicológica humana. Essa característica desaparece, deixa de ser vivenciada, originando a desmotivação quando o ser humano cria sistemas, canais a partir dos quais ele assiste ou suporta o processo relacional. Essa superposição de realidades cria outra coisa: uma realidade própria responsável pelo resumo de todas as relações.” [1]

Triste e infelizmente, além do humano, atualmente as variações da ordem econômica e social criaram os mecanizados, os robôs. As sociedades de consumo, que fabricam e mantêm estes desumanizados, têm que alimentá-los, têm que procurar dinamizá-los, endereçando-os para os mega entretenimentos de alegria e prazer. É uma indústria que produz e ganha. As motivações, neste contexto, resultam de publicidade e também de interações tecnológicas, que vão estruturando escravos. Pode-se perder tardes em pracinhas procurando Pokemons, pode-se também procurá-los ao lado na torta que se come etc.

A motivação está pontualizada, é o sub-produto, a cereja do bolo das vendas e passa a ser sinal da alienação, desde que ela é colocada como ponto a atingir. Neste sentido está bem próxima e de acordo com o anestesiante sedativo geral: as drogas lícitas ou ilícitas, focalizadas no funcionamento, onde ser motivado é estar em contato, criando concordâncias e acertos.

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[1] em “A Questão do Ser, do Si Mesmo e do Eu” - pag. 70, Vera Felicidade de Almeida Campos, Ed. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2002


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