Viver - sentido, obrigação e resultados

Atualmente quase não se coloca a questão do sentido da vida, ou quando isto é feito sempre o é na direção de justificativas, de resgate ou desespero que ocorrem quando tudo desaba, quando as ilusões estão perdidas e os sonhos desaparecem. Conhecer a si mesmo, saber o que significa estar no mundo com os outros, descobrir e atingir o absoluto - Deus -, são diversos sentidos que podem ser dados à existência. Os problemas, as dificuldades, a destruição começam a se estruturar quando o sentido da vida é transformado em justificativa da existência ou em finalidade da mesma.

Posicionar-se em porque ou para que faz perder o processo, o como da existência, do estar no mundo, do presente, e consequentemente, da transitoriedade e impermanência, únicos constituintes que permitem permanecer inteiro, apto e capaz de acompanhar o sentido, o ritmo, os processos do estar-aqui-e-agora-com-o-outro(s)-no-mundo.

Fazer frente aos compromissos, atender obrigações necessárias à sobrevivência criam impasses, tanto quanto ampliam possibilidades, atendendo ou negando necessidades. Sobreviver como organismos em sociedades moduladas por configurações econômicas, por desenhos e papéis socialmente estabelecidos, seguir scripts, criar novos textos, resulta de participação. Participação exige organização, disciplina, solidariedade para que não se transforme o convívio em trágico “salve-se quem puder”, reprodutor de destruição, de selvageria (mesmo os animais têm organização que possibilita funcionamento normativo). O homem precisa de ética, de juízos e valores delineadores da verdade, de confiança para atingir o bem-estar conjunto, a possibilidade de participar, de acreditar. O social é a veste do humano, uniformiza, mas protege, abriga, endereça, organiza perspectivas; faz com que o natural (no sentido físico da natureza: luz, calor, frio, chuva etc), seja configurado.

Esperar qualquer resultado de um empenho, de uma vivência, de uma escolha ou participação é negar o que foi escolhido, o que foi vivenciado. Colher frutos nos distancia do plantar; fundir tempo é estabelecer caos, destruição. Planta-se, frutos virão mais tarde e serão colhidos por outros que sequer são remetidos à visualização do plantio. Misturar funções cria objetivos e resultados, que por sua vez, transformam o humano em receptáculo dos mesmos. Ele vira objeto, gerado pelo seu vazio, pelo esperar e também pela busca do resultado, o que é desumanizador.

Vivemos para realização de necessidades e possibilidades e isto se esgota e se realiza no próprio viver, no estabelecimento de nossos perfis, nossas personalidades (arquivos de memórias e resumos de nossas ações), nos nossos encontros, diálogos, participações e omissões. Somos inteiros, unificados pelo questionamento de estruturas relacionais, ou somos por elas fragmentados, pontualizados.

A vida é “som e fúria”, nos diz o poeta, emite-se uivos, fala outro poeta, ou, se canta, murmura, sussurra.


verafelicidade@gmail.com

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