Superação

Atualmente, tanto nos contextos psicoterápicos quanto nos religiosos, enfatiza-se a idéia de superação, de desapego e psicoterapias e religiões são usadas como alavancas para promover mudanças consideradas desejáveis. Nestes contextos, superação e desapego tornam-se sinônimos quando entendidos como abandono e desistência. Abandonar os sonhos antigos após um acidente que gera imobilidade, desistir da família unida ao descobrir que a mesma era assentada em bases enganosas, são, então, exemplos de superação, desistência de sonhos agora impossíveis e dedicação a novos projetos.

Problemas sempre surgem. Em contextos de aceitação, ultrapassar, transcender limites é espontâneo, dispensa alavancas; a superação e o desapego aparecem como abertura de possibilidades. A percepção dos processos abre condições, gera perspectivas para o aparecimento de um núcleo fundamental: o estar vivo. Enquanto tal não ocorre, a vivência é de perda, de morte, de incapacidade e neste contexto, superar, desapegar é apenas substituir, reutilizar. Estruturas de não aceitação, se não forem questionadas, são incapazes de superação ou desapego; sujeitas a discursos de apoio apenas mascaram suas insatisfações, desistindo e substituindo metas.

Voltando ao exemplo, na família construida sob engano que existe apenas para encobrir preferências consideradas ilegítimas, quando aparece sua impostura gera grande liberdade, permite diferenciar o joio do trigo, permite vivência de verdade. Esta descoberta é libertadora, possibilita ultrapassagem e desapego,  estruturando também certezas e confiança. É um processo dialético, gerador de mudança. Geralmente tal não ocorre porque as pessoas precisam de apoio, de faz de conta e assim a sensação de mundo que desmorona é aniquiladora.

Não viver em função de funcionamento e imagem é que permite superação dos problemas, ultrapassagem de limites e desapego do que satisfaz.

















"Os andarilhos do bem", de Carlo Ginzburg
"Contingência, ironia e solidariedade", de Richard Rorty


Comentários

  1. Olá Vera, gostei muito do texto. Ficam sempre muito confusos todos esses discursos sobre desapego, superação de dificuldades; muito massificado, uma mistura de religião simplória com auto-ajuda e espiritualismo oriental, substituindo psicoterapias que realmente atinjam a pessoa - agora percebo que só a sua psicoterapia acerta "the core"… mas isto é para quem quer encarar a vida de frente e de 'peito aberto', como dizia o poeta: "Quem passou a vida em brancas nuvens / E em plácido repouso adormeceu / Quem não sentiu o frio da desgraça / Quem passou pela vida e não sofreu / Foi espectro de homem, não foi homem / Só passou pela vida, não viveu." Seu conceito de 'aceitação' abre infinitas portas de entendimento e agora superação como aceitação era tudo que eu precisava ouvir.

    Abraço

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    Respostas
    1. Ana,

      Aceitação e não aceitação é tudo, a questão é chegar ao "core," como você falou!

      Super a poesia, apesar de valorativa…rsrsrs, mas é poesia e bela!!

      Abraços

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