Vingança

A vingança é sempre planejada. Esta antecipação, expectativa é um deslocamento de frustração. Não podendo destruir ou infelicitar o que magoou e infelicitou, o indivíduo adia, guarda sua mágoa  e começa a planejar, a desejar se vingar, a desejar fazer com que o outro sofra como ele sofreu, sinta a mágoa que ele sentiu, tenha o mesmo prejuizo, o mesmo sofrimento.

Nascido no contexto da rejeição não suportada, o desejo, o planejamento da vingança é o que resta como motivação de vida.

Parar e colocar todos os propósitos relacionais em função de uma vingança, cria idéia fixa, obsessão, às vezes percebida como determinação. Isto passa a ser o filtro, o foco de toda a motivação. Reduzindo o mundo à expectativa de se vingar, de infringir ao outro o mal sofrido, o indivíduo se reduz a uma espera.

Tudo significa à medida que se conecta com este desejo. O alvo da vingança é que determina o que se faz, o que se pensa, o que alegra, o que entristece. Constituido pelo outro percebido como receptáculo do ódio, vem a coisificação, a despersonalização. Sozinho o vingador se constitui pelo que imagina ser a vivência do vingado, correndo atrás de si mesmo, de seus desejos e sonhos perdidos, até realizar seu objetivo: se vingar. Quando isto acontece - a vingança - ele explode de felicidade, de alegria, de realização.

Ter conseguido se vingar, traz uma situação nova, não há mais o que desejar, não há o que planejar. Esta vivência de sonho realizado remete a todas as mágoas e frustrações.

Conseguir se vingar é também começar a se perceber sem propósitos, esvaziado, sem leme. Tudo foi sacrificado, destruido e queimado para manter aquecida e realizada a vingança.



"Medéia", de Eurípedes

Comentários

  1. Olá Vera, que interessante sua abordagem psicológica à vingança, a descrição que faz da vida girando em torno da vontade de vingar-se, o vazio em seguida e a idéia de que a vingança nasce "em um contexto de rejeição não suportada"! Esta idéia da rejeição é muito fecunda pois remete ao outro semelhante que infringe a injúria, que prejudica, que fere; um outro que não adimitimos que o faça, quero dizer, o foco da sua proposição é o outro e não a injúria. Digo isto porque em geral sentimos a vontade de vingança quando a injúria vem de outra pessoa, não pensamos em nos vingar da natureza, dos animais, nem mesmo de "Deus" (e todos são agressores em potencial ou nos fere de inúmeras formas), mas se for uma pessoa que nos machuca… Acho isto intrigante e muitas pessoas relacionam a vingança à justiça, à punição, mas os filósofos já discutiram isso exaustivamente e me parece razoável que nas sociedade modernas a justiça seja exercida por instituições e não por conta própria; claro que algumas coisas estão fora do âmbito das leis, têm a ver com o cotidiano, mas será que mesmo assim a idéia de justiça justificaria o ataque deliberado e planejado ao outro, tendo a mesma atitude condenável dele, perpetuando o sofrimento? Gosto muito do que você escreveu porque pontualiza o tema da vingança no indivíduo que vive a vontade de vingança, focaliza no que acontece com ele, e parece que mais importante do que o ferimento, o prejuizo, a injúria, sofrida ou a que ele deseja infringir, o mais importante no sentido de mais sofrido para o indivíduo é o sentir-se machucado em uma relação com o outro semelhante e o prazer da vingança é deixar isto claro para este outro. Quando você introduziu a noção de rejeição no tema da vingança, ficou mais claro para mim. Não sei se você concorda com minhas cogitações...

    Abraço

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  2. Ana, obrigada. Muito interessantes suas cogitações. Vingança como justiça é um conceito meio deslizante, justiça tende mais a reparação, recuperação, não há rejeição.

    Abraço

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  3. Esse texto nos traz muita lucidez e compreenção.Especificamente ,para mim,demonstra um grande vazio interior,pois a conquista da vingança é tão ilusória quanto a própria vingança.Esvaziar-se do sentido de vida após-vingança,talvez seja crueldade maior para com si mesmo.
    Adorei ,Vera vou compartilhar!
    Um abraço!

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  4. Oi Mônica,

    Muito obrigada pelo seu comentário.

    Na vingança o outro ao ser transformado em receptáculo do ódio, é transformado em um objeto e assim ao viver em função da vingança, se vive também sozinho, esvaziado.

    Perceber o esvaziamento após a vingança já é um questionamento que pode levar à neutralização do mesmo.

    Beijos,

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  5. VINGANÇA:Auto-destruição e Auto-Punição que tem que ser eliminados.....traumas decorrentes a alguma situação ....monstros que vão criando formas......processos internos mal resolvidos....obsessão...possessão....insegurança...imaturidade.O processo em que o outro se vê....na intimidade....nú e desprogido.REJEIÇÃO ....É o modo de ver-se.Amei sua colocação!!!!bjs

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  6. Se você não consegue lidar com os limites dos outros, é porque você não consegue lidar com os seus limites. A rejeição é um processo de ver-se.
    Toda vez que eu quero buscar no outro o que me falta, eu o torno um objeto. Eu posso até admirar no outro o que eu não tenho em mim, mas eu não tenho o direito de fazer do outro uma represen...tação daquilo que me falta. Isso não é amor, isso é coisa de criança.
    O anonimato é um perigo para nós. É sempre bom que estejamos com pessoas que saibam quem somos nós e que decisões nós tomamos na vida. É sempre bom estarmos em um lugar que nos proteja.
    Amar alguém é viver o exercício constante, de não querer fazer do outro o que a gente gostaria que ele fôsse. A experiência de amar e ser amado é acima de tudo a experiência do respeito.
    Como está a nossa capacidade de amar? Uma coisa é amar por necessidade e outra é amar por valor. Amar por necessidade é querer sempre que o outro seja o que você quer. Amar por valor é amar o outro como ele é, quando ele não tem mais nada a oferecer, quando ele é um inútil e por isso você o ama tanto. Na hora em que forem embora as suas utilidades, você saberá o quanto é amado!
    Tudo vai ser perdido, só espero que você não se perca. Enquanto você não se perder de si mesmo você será amado, pois o que você é significa muito mais do que você faz!

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    1. Oi Josilene, obrigada pelos comentários. Vale lembrar que em Psicoterapia Gestaltista não existe interno nem externo, inconsciente etc daí que a própria idéia de rejeitar ou ser rejeitado é conceitualmente diferente. Para esclarecer melhor o que eu falo, leia, neste blog, os artigo: "Interno e externo não existem" de novembro de 2011 e "O inconsciente" e "Ansiedade" de julho de 2011.

      Beijos,
      Vera

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  7. Só sabe a dor de querer se vingar e não ter coragem pra isso, quem está passando. Eu fui rejeitada, enganada e ridicularizada, não só por ele como pela menina de 18 anos que ele me trocou. Isso em público. A dor, o ódio e a vontade de me vingar só me consome CDA dia mais. Nenhuma dessas teorias de pessoas que não viveram isso na carne, me convencem que eu não deva.

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