Coação e acertos

Amedrontar, ameaçar são ferramentas muito usadas para conseguir realizar objetivos autorreferenciados. O exercício desta técnica exige criação de artifícios (imagens geralmente vistas como positivas) e armadilhas (manipulação dos desejos e metas do outro). Encontramos coação não só na esfera criminosa, mas também na esfera da legalidade, nas casas, nos escritórios, nas escolas.

Historicamente as mulheres, com a meta do príncipe encantado, do casamento, são presas fáceis: se deixam seduzir e enganar, fazem qualquer negócio, arriscam qualquer coisa para realizar a meta. Realizada, vem o vazio - não têm mais onde se sustentar. Amarradas, penduradas nas vantagens conseguidas, suportam todos os massacres para manter o sonho realizado, agora frustrado. Este paradoxo só pode ser vivenciado na divisão; esta frustração diária, os maltratos sofridos - físicos e psíquicos - são considerados acasos, acidentes, não fazem parte do processo: são vistos como acidentes causados por inveja dos amigos, por espíritos esfaimados por alegria, cheios de despeito ou é a dificuldade, a doença do outro que precisa ser cuidado, ajudado, suportado, enfim, são inúmeras as justificativas para a manutenção do que apoia, do que oprime.

Coagidas e infelizes, buscam derivações. Empenhadas na manutenção do processo, sacrificam-se por seus filhos, abrem mão de suas idéias; aprendem a fazer de conta que não vêem a violência, que não percebem o que acontece. Tudo é sacrificado para manter o que se precisava e conseguiu: aparência e faz de conta. Vítimas e agressores estão imanados.

Pessoas que não se aceitam, que vivem em função de metas, assim como também crianças, idosos, doentes, subalternos, indivíduos que de uma forma ou de outra não têm ou não estruturaram autonomia, estão sujeitos a coação.

Dependentes do que recebem em troca de se tornar objeto, seja útil, seja de prazer, o indivíduo assim coisificado, despersonalizado, se torna mais um dedicado a conseguir, a vencer, a atingir sucesso. Os processos de não aceitação, as humilhações exigem superações, exigem novas imagens. Assim apegados nos resultados, realizam acertos a fim de superar o que os desumaniza. Os caminhos trilhados são unilaterais, desde que referenciados na busca de saidas, e portanto comprometidos com o que se quer sanar.

Nos processos resultantes de coação, opressão, o que se consegue - como liberdade - é ser o próprio opressor, o próprio alienador. Nos transtornos bipolares esta situação se torna clara apesar de escamoteada pelo que chamam de "manias" e "depressões".

Como exercer autonomia em situações que foram estruturadas sob dependência e desejo de realização de metas? Obviamente abrindo mão das metas; não se trata de uma simples decisão pois  os processos se estruturam com características limitadoras, mas através de questionamento terapêutico, da aceitação de limites, torna-se possível a vivência do presente. "… até que ponto não estamos dizendo que a saída é uma acomodação, uma alienação? Como estruturar autonomia, necessária para humanização se não fizermos antíteses aos processos desumanizadores? Enfim, que antítese possibilitaria a continuidade da sobrevivência enquanto autonomia? A ocupação com o que está diante de mim, a dedicação, o enfrentamento do que me ameaça, a participação responsável pela transformação. Participar desse espetáculo sobrevivente é a maneira de transformá-lo. Qualquer recusa, ausência, origina preocupações, medos, estratégias de defesa." *

* Em "A Questão do Ser, do Si Mesmo e do Eu", de Vera Felicidade de Almeida Campos
















"Las cartas del mal", de Baruch Spinoza
"Dos delitos e das penas", de Cesare Beccaria

verafelicidade@gmail.com

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