Responsabilidade

Responsabilidade só é possível quando existe autonomia. Ser responsável não é simplesmente cumprir tarefas, não se caracteriza por obediência. Responder pelos próprios atos ou pelos praticados por aqueles pelos quais somos responsáveis é a definição socio-jurídica de responsabilidade.

Ser responsável é não usar os outros e não se deixar usar. Obedecer ordens, cumprir o dever sem questionamento é apenas servir de base de sustentação para sistemas alienantes e até crueis.

Perceber as implicações do que se faz é ir além do que é feito. Este ir além, só significa responsabilidade se for tomado como contexto estruturante. Desincumbir-se de tarefas e ações sugeridas pelo mestre, mentor, pais ou qualquer autoridade, pode significar grande irresponsabilidade se não houver autonomia que permita o questionamento das tarefas, missões ou obrigações. Desde seguir a mesma profissão do pai, até votar em seu candidato pode ser apenas obediência, simpatia irresponsável.

Saber que o que se faz é feito com autonomia, tira o peso das coisas. A gravidade, o peso das coisas resulta de relações intrínsecas às mesmas; elas não necessitam de suporte, precisam apenas de contextos adequados para que possam ser configuradas, globalizadas, permitindo deixá-las ou abrigá-las. O mesmo vale para os relacionamentos, não pode haver responsabilidade para com os próprios atos e para com o outro - filhos, pais, amigos, amantes - se não houver autonomia, aceitação.

Responsabilidade como obrigação e regra é uma camisa de força para conter os deslocamentos da sobrevivência, da neurose.



"Bela do senhor", de Albert Cohen

Comentários

  1. Muito interessante seu texto Vera. Pode parecer que a negação do cumprimento de tarefas, o desinteresse, seja autonomia, mas pode ser alienação, irresponsabilidade ou apenas o extremo oposto da submissão. O que você propõe não é uma coisa nem outra, mas o discernimento com respeito ao que se vive. A habilidade de responder pelos próprios atos é autonomia.

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  2. Augusto, obrigada pelo seu comentário. Nem sempre habilidade é autonomia; geralmente habilidade resulta de estratégias, imitações, já é uma resultante. Autonomia é aceitação, isto é instantâneo, não é "trabalhado", apurado por habilidades. É preciso partir sempre de globalizações das questões levantadas a fim de não fragmentar e começarmos a falar nas capacidade e incapacidades humanas.

    Abraço

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