Palácios, catedrais e shoppings

Na Idade Média, onde a condição de sobrevivência era precária, os deslocamentos eram dirigidos para o céu, para os deuses. Olhar para cima, pedir e esperar, cria expectativas. Construir catedrais era uma maneira de depositar os sonhos os medos e esperanças. Dos palácios às catedrais, esta era a arquitetura dominante. A maneira de transcender os limites aniquiladores (peste, fome, morte) era rezar, jejuar, rogar misericórdia. Olhando o processo histórico do desenvolvimento arquitetônico, vemos como tudo convergia para os templos, mesmo antes da Idade Média.

Transcendências contingenciadas não transcendem mas permitem fontes de alívio, prazer e esperança.

O que faz a humanidade, hoje, quando reduzida às demandas de sobrevivência? Consome - das comidas às bebidas, griffes e pessoas. Shopping centers, parques temáticos e de diversão são as catedrais, os templos que abrigam sonhos perdidos, desejos impossíveis, vidas fantasiadas. O mega entretenimento realiza esta função de congregar, unir, realizar; preces são rogadas para o todo poderoso consumo: dinheiro, mercadorias. Vive-se esperando as graças conseguidas pelo dinheiro, que permite o consumo, que tudo transforma. As griffes criam identidades vitoriosas. Neste novo Coliseu já não existem leões famintos, existem poderosos capazes de sedar as feras e os incapazes que servem para alimentá-las.

As construções e atmosferas sociais resultam de nossa trajetória como seres no mundo. Privilegiar o necessário implica em submissão e revolta. Desenvolver possibilidades dentro de limites se torna utópico quando os mesmos não são aceitos. Aceitar os limites ou transformá-los é o que humaniza, é o que permite transcendência.

Não se esgotar em si mesmo, em demandas e limitações confere realização de possibilidades, muda o restritivo e cria novas ordens; é o si mesmo presentificado, realizado e possibilitador do outro, do semelhante que transforma, limita e transcende.
















- "Nova York Delirante" de Rem Koolhaas
- "Civilização Material Economia e Capitalismo Séculos XV-XVIII - O Tempo do Mundo" de Fernand Braudel



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