Harmonia
O sentido da impermanência, da finitude, só é aceito sem divisões através da coerência. Coerência é ultrapassar divisões, é, detendo-se no instante, transcendê-lo pela ultrapassagem dos limites, pela ultrapassagem dos propósitos. Neste sentido, coerência é iluminação, é destruição de sombras criadoras de espaços, de finitudes arbitrárias. Diante do outro, do dado, sem linhas de convergência ou de divergência, neutralizam-se direções, polaridades. É o equivalente do equilíbrio da chama da vela falado pelos iogues: impermanente e sutil.
Esta vivência do presente continuamente presente é o que permite unidade. Sem divisão não há constatação, não há avaliação, existe apenas conhecimento, fruição da permanente impermanência, da continuidade do estar no mundo. Ser com o outro é o único definidor.
Estar desvinculado de tudo e integrar-se no vivenciado é o que permite vida, sensibilidade, conhecimento. Sem esta vivência, a possibilidade humana é drenada nas contingências: vivifica coisas e se desumaniza. Percebendo que percebe, constatando, se avalia, se compara, se decide e se esgota como possibilidade nestes processos, embora se afirme como individualidade estruturada e passível de autonomia. Coerência é o que se impõe para globalizar todo o percebido, contrastes e individualizações. Quanto maiores forem as segmentações, pontualizações, divisões e recortes, mais sombras, iluminação comprometida com efeitos densificadores, mais contradição, ilusões de permanência na impermanente continuidade do estar no mundo.
Disponibilidade, integração e dedicação - a aceitação e a determinação ao enfrentar o contraditório integrador ou alienador - são os estruturantes de coerência, de harmonia.
Viver é se relacionar com o possível e o impossível, é aceitar o limite, a impotência e a possibilidade infinita de estar no mundo, detendo-se em abismos, superando-os ou sendo por eles tragados ao exercer certezas e enganos. Na coerência não existem ilusões, ou estas são as premissas das transcendências estruturantes, desestruturantes, mas, infinitas por definição, desde que tudo ilumina.
- "Phenomenology and existence - toward a philosophy within nature" de Marvin Farber
- "Enterrem meu coração na curva do rio" de Dee Brown
verafelicidade@gmail.com
Vou fazer deste teu texto a minha mensagem de fim de ano no meu blog, posso? Há muito tempo que não lia algo tão objetivo e pontual. Um grande abraço.
ResponderExcluirOlá Raquel, pode sim, fique à vontade. Obrigada, abraço, Vera
Excluir