Intimidação
Intimidar o outro é coagir, aproveitando os espaços vazios criados pelo medo, pela falta de determinação.
Inseguros, apoiados no que oprime, criam fragmentações responsáveis por descontinuidades e estes intervalos geralmente são preenchidos por significados advindos de contextos estranhos ao que se está vivenciando. Premonições, intuições, sinais e avisos passam a ser os configurantes relacionais. Referenciados pelo que pode acontecer ou pelo que aconteceu, esvaziam o presente, fugindo de tudo que ameaça e assim, tornam-se cada vez mais passíveis de ser intimidados. O medo - omissão - é pregnante e consequentemente, participação, motivação e individualidade estão submersas, comprometidas.
O medo de ser surpreendido por descobertas de erros, de situações comprometedoras, por exemplo, gera angustia. Sempre na expectativa de ser desmascarado, se vive intimidado. Qualquer situação pode revelar o que se esconde. A vivência do medo é constante: é a omissão caracterizadora, paralisante, é o comportamento dirigido e mantido por adequações e inadequações. Estes parâmetros, frequentemente vivenciados como sucesso ou fracasso, transformam tudo que está em volta em vivência intimidadora; o insinuado é visto como denso e objetivo, invade-se o existente, acrescentando ao mesmo, situações alheias ao seu processo, dificultando o entendimento, a clareza sobre os acontecimentos; vive-se ameaçado, tudo pode intimidar. Os exemplos desta situação são inúmeros, tanto na esfera privada, quanto na pública: nos relacionamentos extra-conjugais, nos comportamentos reprimidos e proibidos pelas famílias ou por instituições (religiosas ou mundanas), nas imagens construídas para camuflar não aceitações, nas vivências de discriminação etc qualquer menção aleatória ao que se esconde, reveste-se de significados, torna-se sinal, ameaça e intimidação. O presente é solapado, invadido por inserções e acréscimos, sinalizações que indicam direções, mas impedem caminhos.
E quando somos vítimas de violência, chantagens, injustiças, por exemplo? Reagimos vivenciando o que acontece ou colapsamos, nos omitimos. Ao participar do que está ocorrendo não somos intimidados, conseguimos aceitar o inesperado trágico, permanecemos presentes diante do súbito desestruturador.
Criar novas configurações neutralizadoras das existentes é a única maneira de romper o massacre do apoio, a alienação das aderências transformadoras do ser humano em objeto, foco de ações intimidadoras seja na família, seja na sociedade.
- “O Crisântemo e a espada” de Ruth Benedict
- “As veias abertas da América Latina” de Eduardo Galeano
verafelicidade@gmail.com
Nossa, Vera! Quanto sincronismo ler seu post logo após ter visto a palestra do Salman Rushdie. Ele que nunca se deixou intimidar, mesmo sofrendo os piores tipos de intimidação. É como você diz, para ter coragem, basta ser honesto. A auto-biografia do Rushdie seria uma boa indicação de leitura para esse artigo. A palestra foi um verdadeiro sopro de humanismo no meio deste vendaval de selvajaria que nos rodeia. Você teria gostado muito. Beijos, Milena xx
ResponderExcluirOi MIlena,
ExcluirRushdie é um exemplo bem lembrado de coragem, de não ficar intimidado pelas contingências, preconceitos e discriminações. A palestra deve ter sido maravilhosa! Super interessante você relacioná-la com meu artigo. Apreensão de implícitos é o que permite unificação das contradições; quando se realiza isto, todos juntos estamos no mesmo barco e as travessias são possíveis.
Beijos,
Vera
P.S. Lembra que já indiquei o livro do Rushdie no artigo “Aparência” (6.dez.2012)?
Verdade, é claro que você já havia indicado o Joseph Anton. Lembrei agora.
ResponderExcluirEsse seu artigo me fez apreender muitas coisas, Vera. Como de outras vezes, desconfio que tenha sido escrito para mim ;-).
"Ao participar do que está ocorrendo não somos intimidados, conseguimos aceitar o inesperado trágico, permanecemos presentes diante do súbito desestruturador."
Perfeito.
Beijos,
Milena xx
Certo Milena e a participação no que ocorre sempre vai depender da existência de disponibilidade, falta de metas e a priori. Obrigada pelas reflexões.
ExcluirBeijos,
Vera