Aderência indicando imanência

Toda questão de sintomas, significados e indicações recai neste tópico: aderência como o que aparece (o que é percebido) e imanência como o que não aparece (o que não é percebido).

A persistência da idéia de dentro e fora leva à associação de aderente com externo e imanente com interno. Este a priori interfere na percepção, na constatação e cria distorções perceptivas.

Contextualizando-se na reversibilidade dos processos, na dinâmica do existente, não há distinção entre interno/externo. Ao perceber um ser humano, não percebemos seu fígado, seu cérebro, salvo se estivermos em aulas de anatomia, fisiologia ou em centros cirúrgicos, onde o fígado, o cérebro são os percebidos e seus possuidores, os seres humanos, tornam-se referenciais remotos, não determinantes do aqui e agora cirúrgico, por exemplo. A reversibilidade perceptiva privilegia, tanto quanto relega ao infinito, algumas constantes caracterizadoras do que ocorre; não considerar este processo cria divisões, unilateralidades parcializadoras e responsáveis por distorções resumidas no popular "quem vê cara, não vê coração". O indivíduo nem sempre é o que indica; frequentemente esconde ou despista no próprio fato de indicar. Este aparente paradoxo se dissolve quando se percebe que indicar, geralmente, é vetorizar para direções desejadas. A religião, a educação geram pasteurizações quando enfatizam o que se precisa apresentar e utilizar, conseguindo assim, repressão e adaptação responsáveis por divisão e inautenticidade.

Sintomas são aderentes em relação a suas estruturas orgânicas ou psicológicas, entretanto, eles as expressam - se não forem percebidos isoladamente através de classificações e rótulos -, permitindo apreender seus constituintes relacionais.

A arte, a psicoterapia, o questionamento unificam ao apresentar o escondido, o privado como o escancarado, como o público. Desde as máscaras usadas no teatro grego ou no japonês Nô, estas ambivalentes disparidades são unificadas. O Vodu haitiano consegue indicar seus zumbis - mortos vivos - em máscaras e danças, uma situação típica de indicação da imanência através da aderência. É a unificação realizada na divisão por meios artísticos e mágicos. A ludoterapia, a maneira como as crianças vivenciam suas satisfações e insatisfações através de formas, cores e espacialidade ocupada/esvaziada é eloquente para mostrar como constituinte e constituído, imanência e aderência andam sempre juntas ou como disse Goethe "a natureza não é miolo nem casca, é tudo de uma vez”.

















- “Androides sonham com ovelhas elétricas?” de Philip K. Dick
- “Manicômios, prisões e conventos” de Erving Goffman

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