Rastejamento
Perde-se autonomia quando se vive em função da realização de desejos e necessidades e isto faz com que o ser humano se transforme, passando a ser o próprio desejo, a própria necessidade. Ao virar objeto de si mesmo, divide-se, quebra a unidade de ser no mundo. Construído pelas circunstâncias, seus critérios são contingentes: existe apenas para o que vai funcionar. Orientado pelo medo, evita o que é ruim, o que causa dor, mas, cria uma dependência, que pode ser útil na luta pela sobrevivência. Suporta as humilhações, rasteja, perde a dignidade, mas se sente bem com os resultados do que almeja: dinheiro, status e segurança, por exemplo.
Toda perda de autonomia desumaniza, pois o determinante, o motivador, é qualquer situação ou pessoa que não a própria. Sem autonomia, o indivíduo é apenas uma massa administrada, um resíduo manejado. A atitude de rastejamento, de se humilhar é vista como a única que pode ser adotada, é a menor distância para o que se quer atingir: não opõe contradição, não cria conflito, aceita tudo que é proposto e com jeitinho rasteja, se humilha, implora, suporta, consegue até gerar culpa e através desta, ter o outro compromissado.
Quanto mais próximos os relacionamento, maior a possibilidade de rastejamento e humilhação, caso não haja autonomia gerada pela aceitação. A convivência, tanto nas relações de parceria amorosa, quanto nas familiares, é palco eleito para rastejamentos e submissões, pois não há testemunhos, não há sanções explícitas administradas por outras mediações. Nestas atmosferas, tudo é possível e quando as situações ficam graves, justificativas são construídas, é o frequente “por amor” usado para justificar desde o incesto encoberto, até as bofetadas consentidas. Cumplicidade, omissão, medo podem ser formas de rastejamento. Atmosferas permissivas não estruturam liberdade, frequentemente estruturam rastejamento, humilhação e falta de dignidade como meio de realização de desejos.
- "Um Bonde Chamado Desejo" de Tennessee Williams
verafelicidade@gmail.com
Perfeito! Como sempre libertadora!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Ozaíla.
ExcluirAbraço,
Vera