Seletividade

Seletividade caracteriza as escolhas que constroem as trilhas do que é próprio, do que é adequado para determinados relacionamentos pessoais. Selecionar é recortar quando se realiza através de critérios antecipados, determinantes do que é bom, do que é ruim, do que deve ser feito ou não. É uma regra, uma forma de separar o joio do trigo, entretanto, é também uma maneira de transformar pessoas em objetos valorizados ou desvalorizados.

Os critérios de seleção geralmente redundam em conveniência, em aparência e são estabelecidos a partir de regras e normas. Não querer o diferente ou evitar o igual são atitudes estabelecidas por outros referenciais diversos. O diferente pode ser o mais pobre e fica evidente que para as aspirações e sonhos pessoais, não vale à pena conviver com o mesmo; o igual pode ser o socialmente excluído (o drogado que evita conviver intimamente com drogados, por exemplo). Sempre que há comparação, avaliação, a seletividade se impõe e o outro, tanto quanto as situações, são transformadas, consideradas sempre por medidas e regras particulares de conveniência e medo.

Todos são iguais - são seres humanos - mas experimentam diferenças que quando não são avaliadas, quando não são valoradas, fazem com que reinem as possibilidades relacionais. Quando os indivíduos são comparados, avaliados, valores são deduzidos e surgem variações, surgem diferenças, passando a existir os melhores, os piores, os capazes, os incapazes, objetos de satisfação e de insatisfação. Ao usar critérios discriminadores que orientam escolhas, que sinalizam os caminhos dos supostos sucessos e fracassos, estigmatiza-se, normatiza-se. O processo selecionador transforma o mundo no império das necessidades. Nestes contextos de contingência, só o útil e o adequado validam o estar no mundo, e é por isso que o critério de normalidade e anormalidade é tão útil aos pseudo educadores, pseudo psicólogos e pais, que buscam manter e construir ordens pragmáticas que dirijam e permitam que seus filhos adquiram padrões seletivos.

Selecionar é diferençar quando não resulta de a priori, de avaliações antecipadas, e isto só é possível quando se globaliza as variáveis existentes nos processos. Sem globalizar, selecionar é cortar, eliminar o que é diferente do desejado, diferente do esperado. Quanto maior é a seletividade, menor a pessoalidade, a espontaneidade nos relacionamentos e maiores são os preconceitos e os estígmas envolvendo aparência, envolvendo avaliações de possibilidades de desenvolvimento cultural e econômico, por exemplo.




- “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen

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