Medicalização do amor

Fevereiro de 2015, dia 10, o jornal The Independent noticiava que o eticista Brian D. Earp* declarou recentemente à revista New Scientist, aprovar as pesquisas que estão desenvolvendo o "remédio anti-amor" ("anti-love drug"), declarou que também aprova a concepção subjacente a essas pesquisas que consideram o uso de medicamentos para limitar os sentimentos associados ao amor, ou seja, o amor ser tratado como se trata o vício e a depressão, pois pensa que: “estudos recentes do cérebro demonstram um paralelo entre os efeitos de certas drogas viciantes e as experiências de estar amando. Ambos ativam o sistema de recompensa do cérebro e podem nos oprimir de tal forma, que esquecemos de outras coisas, podendo também gerar síndrome de abstinência quando não estão mais disponíveis. Parece que não é simplesmente um cliché, que o amor é como uma droga: em termos de seus efeitos no cérebro, ambos talvez sejam neuroquimicamente equivalentes.”

Reduzir o ser humano ao organismo, ao seu cérebro, é pensá-lo como um objeto fabricado, completo ou incompleto, com desequilíbrio ou não, supondo que tudo que acontece nele, depende de seu funcionamento orgânico, biológico, neuroquímico. Essa redução organicista subtrai do humano o seu universo relacional, equivale a pensá-lo sozinho no mundo, à mercê de substâncias e acionamentos.

Ser é ser com o outro no mundo, em determinadas atmosferas, em determinados contextos; isso motiva, frustra, realiza ou massacra. A continuidade desses relacionamentos gera mudanças ou cria estagnações, posicionamentos - é a dinâmica relacional.

Pensar a motivação humana em um de seus aspectos - o amor - como subproduto cerebral, tendo efeitos semelhantes ao das drogas viciantes, não é mais do que uma abordagem ou um projeto de estudo e pesquisa necessário para ampliar mercados. Para vender armas é preciso ter guerras; para vender remédios é preciso ter doentes. É irresistível não lembrar da Idade Média, de um de seus pilares institucionais - a Igreja -, vendendo bem-aventuranças, escapulários e outros que tais, para garantir a salvação eterna de “almas danadas” e corrompidas pelo viver na Terra. Tanto antes quanto agora, através de instituições e seus representantes sacralizados, a tranquilidade é vendida.

A absolvição dos males, o bem-estar e o conceito de “cura” criam verdadeiras piras destruidoras do humano. Alan Turing e a castração química a que foi submetido a pretexto de curar sua preferência homossexual, as lobotomias, os programas de recuperação da CIA, mostram o que se atinge quando se parte de conceitos reducionistas, maniqueístas, valorativos e destinados à manutenção de poder que permite lucros e domínio.

A venda de anti-depressivos após 40, 50 anos se exaure, é esgotada pelo fraco cumprir do prometido; as “curas” são questionadas, as remissões sintomatológicas são frágeis, enfim, é necessário novidades no mercado: além da cura da depressão,  é necessário fazer também a cura da animação (do amor), pois como diz Brian D. Earp com seu reducionismo, o amor geralmente deixa sequelas: “dor de cotovelo” e “mina a capacidade de pensar racionalmente por si só”.


* Brian D. Earp is a Research Fellow in the Oxford Uehiro Centre for Practical Ethics and a Consultant working within the Institute for Science and Ethics at Oxford's Martin School. He is the recipient of the Robert G. Crowder Prize in Psychology from Yale University.

















- “O Homem que Sabia Demais - Alan Turing e a Invenção do Computador” de David Leavitt

- “O que é o quê” de Dave Eggers

verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Lembra outro artigo que você publicou que menciona Leonard Mlodinov. Faz-se atual o que escreveu Aldoux Huxley em Admirável Mundo Novo (1932), quando o 'selvagem' reivindica o direito de viver sem o condicionamento alienante, o direito de sofrer, em uma sociedade de castas onde amar, ter relações sexuais e ter filhos era considerado obsceno.

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