Aplacamento - reificação ad infinitum

Na falta, às vezes, qualquer coisa completa. O complemento é o preenchimento que aplaca. Fome e sede, sempre que são satisfeitas e saciadas estabelecem bem-estar, neutralizam desesperos e anseios. A continuidade destas vivências cria a busca e a espera. Estas demandas propiciam direção e objetivos, ou seja, em função de faltas são estabelecidos mapas, padrões e sistemas sinalizadores do que resulta bom, do que supera desvantagens e aplaca prejuízos.

Esta vivência binária, de ter ou não ter aplacadas as necessidades básicas, transforma as possibilidades relacionais humanas em constantes, em frequentes realizações de comportamentos endereçados ao objetivo de buscar satisfação, de evitar insatisfação, de evitar resultados frustradores, que não atendem ao pretendido como satisfação necessária à sobrevivência.

A repetição gera a manutenção do processo responsável pela substituição de possibilidade em necessidade. Tudo tem que ser preenchido e realizado, o ser humano torna-se máquina que verifica bitolas, que aplaina diferenças e aperta os parafusos necessários à sua própria sobrevivência. Voltado para si mesmo, aliena-se do outro e do mundo, perde suas possibilidades relacionais enquanto disponibilidade, vira um autômato. Regras, ajustes e normas lhe permitem manter sua coisificação e assim flutua direcionado a resultados: substituindo o ser pelo ter, aplaca suas necessidades de sobrevivência, vira uma coisa, objeto entre outros, apenas sedado por drogas, lícitas ou ilícitas, apoiado por sua comunidade, pela família que o ajuda e mantém, tanto quanto o suporta na exata medida da realização de suas necessidades, compromissos e obrigações. Neste horizonte de regras e compromissos não existe espontaneidade, não existe amor enquanto disponibilidade, não existe aceitação enquanto reconhecimento do que está diante, embora haja comprometimento, utilização ou dispensa do que se encontra.

Substituindo e aplacando, as contradições são sempre amortecidas, o humano é esvaziado, as ordens alienantes são mantidas: o caos, a desordem passam a imperar, exigindo novos aplacamentos e substituições - novas sedações.


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