Restrições e realizações

As supostas liberdades ilimitadas são sempre invocadas quando se critica regras, métodos e parâmetros determinantes de comportamentos. Qualquer pessoa pode ser o que desejar, em qualquer esfera: das sociais ao exercício individual de seus desejos afetivos relacionais. É um fato, é uma realidade, é o exercício de possibilidades. Entretanto, esta possibilidade de realização só se exerce quando há determinação, quando há adesão ao que se deseja vivenciar. Não é por ensaio e erro, por jogos aleatórios no exercício do que se quer, que se formalizam as determinações.

As vivências geram comprometimentos, afetos, apegos, desapegos, tanto quanto implicam em satisfação ou insatisfação. Elas não são exercícios de poder ou de querer, inocuamente realizados. Elas impõem escolhas, impõem renúncias que sempre delineiam necessidades, temores e prazeres.

Quando se confunde necessidade com realização, surgem dicotomias e indiferenciações responsáveis pelo “querer é poder”. Centralizar as escolhas comportamentais no querer, é esvaziar as consequentes vivências relacionais. Por exemplo, não se pode exercer a profissão de médico, engenheiro e advogado, simultaneamente. Quando se escolhe uma profissão, isto implica em diversos contextos onde ela se realiza e se mantém.

Na suposta arbitrariadade para o comportamento humano, em reação aos impedimentos e regras repressoras, muitos teóricos, artistas e psicólogos, falam em ser tudo possível, até que o indivíduo, beneficiado ou prejudicado por estas vivências, escolha o que quiser.

As motivações não se desenvolvem no horizonte do ensaio e erro, elas não são ferramentas de experimentação. Motivações correspondem às dedicações, aos empenhos continuados de propósitos, de referenciais polarizantes e/ou contraditórios responsáveis por ampliação ou restrição consistentes de encontros e buscas. Motivação é o que oxigena e dinamiza as possibilidades humanas, impedindo que as mesmas ancorem na necessidade de sobreviver e manter o que foi conseguido e desejado. Imaginar seres humanos onde todos os comportamentos são possíveis é ignorar estruturas motivacionais individualizadas e individualizantes, é negar os dados relacionais, transformando os indivíduos em ilhas onde tudo pode ocorrer desde que se queira.

Para haver determinação não é necessário experimentar. O homem não vive à reboque de fatos desde que ele os determina e dirige. Quando isto não acontece, ele segue a corrente. Seguir a corrente requer repetição para que se estabeleçam os posicionamentos e isto é bem diferente da liberdade exercida pelas infinitas possibilitades esgotadas no encontro com o que realiza e desperta, com o que mantém e recria a dinâmica do estar no mundo.

Quando se pode ser tudo que se quer, como se deseja, o indivíduo transforma o outro e o mundo em objeto e platéia de suas experimentações, alienando-se, negando-se como propósito e proposta.


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