Sobra como ausência

Este aparente paradoxo - o que sobra falta - é bem expresso em uma música de Renato Russo: “só nos sobrou do amor, a falta que ficou”.

Merleau-Ponty fala sobre a presença da ausência em suas explicações fenomenológicas; é claríssimo o exemplo que ele descreve, da cabeceira da mesa vazia, mostrando a presença do pai já morto. A sobra do que falta é diferente, é o contrário da percepção da ausência, ela não é a ausência presente. A sobra do que falta é ausência que castiga, que marca, que denuncia a falta, exarcebando-a.

Psicologicamente, vivencia-se inúmeras situações onde o excesso, a sobra acusa a falta. Filhos que dependem da aprovação dos pais, estão sempre intranquilos, exercendo medos, expressando dificuldades como marcadores da ausência de cuidado, da falta de educação recebidas.

Sobra sempre o que falta para pessoas que não se aceitam, que se sentem vazias, inadequadas. Os quadros de ansiedade são elucidativos desta sobra, deste transbordamento de não aceitação. Quanto maior, quanto mais sobra ansiedade e não aceitação, maior a ausência de autonomia e de determinação.

Os processos de coisificação expressam falta de autonomia. Este excesso de dependência das regras alienantes mostra o vazio, a ausência de humanização, de solidariedade.


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