Descontinuação
Conviver com a continuidade dos processos geralmente cria dificuldade quando se está autorreferenciado. Focado em resultados, em pontos a conseguir - da boa forma ao poder e estabelecimento de patrimônio - perceber o contínuo é congestionante quando mudanças e modificações são insinuadas. A continuidade dos processos, o estar no mundo, às vezes, é vivenciado como avassalador. Antídoto a essa possibilidade de mudança e de interrupção pode se configurar na construção de abrigos ou diversificação do caminho que estabelece rotina, escolhendo as próprias rotinas. Saber o que fazer do próprio dia, do cotidiano é uma maneira de ter autonomia, de decidir. Acontece que a realidade e continuidade dos processos existem e ultrapassam as determinações individuais e quando são evitadas fica difícil tolerá-las, aceitá-las. A interrupção de um casamento, de um relacionamento, a mudança de um hábito por causas alheias à própria vontade, irrita, muitas vezes é causa de depressão, quando se tentava tudo estabelecer e determinar. Doenças, perdas, mudança de escola, de bairro, enfim, a quebra da proteção, o desaparecimento de referenciais é sempre danoso quando as pessoas estão adaptadas, dependendo de seus referenciais mais que de suas contradições diante dos mesmos.
O que situa o indivíduo não é o que o dinamiza e quando tal ocorre a motivação, a dinamização é um processo gerado por outras coincidências felizes, por garantias oriundas de outros contextos diferentes do situante. Essa arregimentação, essa confluência de variáveis, cria critérios, valores, sempre em função de vantagens/ganhos ou desvantagens/perdas. Esse medir, avaliar constrói os módulos de avaliação e esses critérios substituem as vontades espontâneas, as disponibilidades. Para ser útil tem que passar pelo teste de validade, pelo preenchimento de padrões. Isso cria alienação. É um processo no qual o significado do que se vivencia é dado por critérios anteriores ou posteriores à própria vivência, são os a priori, os preconceitos ou a validação de lucros ou perdas, resultados futuros que vão determinar o que se faz. Mantendo esses referenciais, tudo que não é bom, tudo que prejudica quando aparece interrompe o bem-estar: é a doença, é a separação, a perda de um apoio, a morte ou desaparecimento de alguém ou algo útil e necessário.
Interromper é expor vazio e dúvidas. Cria vacilação, alienação e dificuldade. Responder ao que foi interrompido é, às vezes, mais revelador do que entender o que se perdeu ou não conseguiu realizar. A interrupção é uma interseção de variáveis que revela outros polarizantes. O que se lamenta ter interrompido é o que permite resumir e esquecer incapacidades.
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