Atrito



Se todo dia tivéssemos que entender, que começar e estabelecer o que fazer com nós próprios, com o outro e o que está em volta, tudo seria impossível. Continuidade é fundamental. Não ter interrupção, não ter marcas de início e final, não ter caminhos impedidos, cancelas e portas limitadoras é o que possibilita fluir e realizar. Montar esquemas, criar palcos, começar, recomeçar estabelece limites arbitrários que funcionam como demarcadores.

Girar uma válvula e ter água, abrir a porta da geladeira e encontrar alimentação, olhar o espelho e se reconhecer é continuar, é estar apto a realizar as próprias possibilidades. Ter que recriar-se, descobrir onde começa o fio d’água que enche a latinha nocauteia ao criar limites exíguos. Pouco espaço, atrito constante, dificuldade para circular entre tiros, manutenção do ritual do encolher-se para não ser visto pelo amigo que grita e agride, evitar os freios abruptos dos circulantes cria esquemas, regras tensionantes. Tudo que quebra a continuidade, atrapalha, atrita.

Harmonia, deslizamento são fundamentais para não ser desumanizado pela necessidade de sobreviver, pela saturação do ar, diminuição da água e alagamentos dos caminhos que, assim, passam a obstaculizar, a atolar.

Estar aberto para o mundo, para o outro requer não estar referenciado na engrenagem para sobreviver, conseguir e realizar.

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