Aspectos que desmascaram



Neurose é o processo gerado pela não aceitação de si, da própria estrutura familiar, social e econômica. Não aceitando as próprias características biológicas (aspecto físico, sexo, cor de pele, tamanho das orelhas, cor dos cabelos etc.), não aceitando a família pobre ou a família rica com seus consequentes limites e características socioeconômicas, sendo percebido pelos pais, ou substitutos, como entraves, o indivíduo não se sente aceito pelo que é, mas sim pelo que pode ser, fazer ou realizar.

Ao não se aceitar, não ser aceito, o indivíduo busca atingir o que é aceito pela sua família e pelo sistema social que o situa. Estabelece metas, objetivos a partir dos quais, se atingi-los, será vencedor. Essas metas nem sempre são atingidas, surgindo os frustrados, os despersonalizados, os desumanizados. Quando as metas são atingidas surge o vencedor, o realizado, o que conseguiu chegar onde queria - venceu. É rico, é pobre, despoja-se do supérfluo que envergonhava sua família corrupta, por exemplo.

Essas metas atingidas satisfazem, mas também posicionam em situações deslizantes, inseguras. É uma vivência em função de realizar metas, em função do futuro de tudo fazer para atingir o buscado, é enfraquecer-se, esvaziar-se, desumanizado e despersonalizado pela não vivência do presente e dependente de apoios. Instala-se um círculo vicioso. Constatando a necessidade de apoio e segurança, vai estabelecer novas metas: agora precisa garantir o conquistado, vivenciado como o que supõe ser de seus pares, semelhantes vitoriosos. Novas contradições, novo empenho para conseguir, ansiedade, medo de perder o conquistado. Estrutura-se submissão, vergonha, desânimo, medo de ser descoberta sua origem, por exemplo. Vive para conseguir apoios. Qualquer ameaça ao já conseguido é desestabilizadora.

Processos são contínuos, dinâmicos e implicam em contradições, em antíteses. Meta dentro de meta, presente transformado em futuro, esvazia, desvitaliza. Não há consistência. Nada significa, tudo tem que ser agarrado, tudo é apoio e se o apoio é retirado, o indivíduo colapsa. Para manter as metas, agora ameaçadas, se desumaniza, rasteja, abre mão do que tem, faz qualquer negócio para não perder o apoio, que, no entanto, não mais o apoia. Nesse momento, é um ponto perdido, solto no espaço. Se não surgir nenhum aglutinante, questionando todo o processo, por exemplo uma psicoterapia, o indivíduo se fragmenta, adoece, desiste. Sem questionamento, não há clareza, não há diferenciação do vivenciado. Surgem contemporizações esvaziadoras e destruidoras.

Situações vivenciadas estão sempre a requerer corpo/alma, dignidade, revolta. De tanto viver de aparência e imagem, o indivíduo já não tem recursos para fingir que é capaz quando todos os recursos são congelados pelos impasses desmascaradores.

Os deslocamentos da não aceitação dos próprios problemas frequentemente são responsáveis pela desestruturação do comportamento e instalação de quadros depressivos, tanto quanto os de dependência do álcool, do sexo e outras drogas lícitas e ilícitas. É fundamental deter o deslocamento da não aceitação para que se possa aceitar que não se aceita e assim estabelecer o início do processo de aceitação, de humanização, isto é, deixar de se colocar como um objeto à mercê de valorações atributivas.

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