Esforço



Olhar em volta e se sentir inferiorizado e estigmatizado provoca medo, revolta, não aceitação e também pode criar determinação para mudar esse estado de inferioridade e de submissão.

Há um erro inicial, há uma distorção que tudo compromete. O sentir-se inferior e estigmatizado já decorre de avaliação, ou seja, da introdução de valores estabelecidos pelo outro - família, sociedade - que são percebidos como parâmetros, padrões, critérios, espelhos nos quais se olha, se contempla, se percebe e vê a não correspondência com o que é considerado bom, valorizado e válido naquela família, naquela sociedade e por seus semelhantes.

Viver em função dessas regras e avaliação, desses critérios, e com eles dialogar, é se transformar em objeto. Essa metamorfose cria rigidez, endurecimento, posicionamento. O indivíduo vira objeto, é despersonalizado em função do que vai realizá-lo, dinamizá-lo, enriquecê-lo. É o vazio, é a construção de metas e objetivos a fim de “virar gente”, de significar e ser alguém. Estimulado por concorrência e vantagens, orientado pelas demandas sociais e culturais do que dá dinheiro, poder, fama e sucesso, o indivíduo se esforça para conseguir, para realizar, para superar seus problemas e dificuldades.

Grandes doutores, cientistas, poderosos empresários, tranquilos sacerdotes são frutos dessa determinação, desse esforço. Assim também são forjados grandes artistas que divertem e trazem felicidade para o povo. O coroamento dos propósitos, a realização dos esforços traz vitória para poucos e muitos se perdem nessa busca e se abrigam em hospitais gerais e psiquiátricos, em prisões, repartições espúrias e organizações marginais.

A militância e a subordinação são maneiras de realizar esforços como o de se salvar para mais tarde reintegrar o esfacelamento; são também uma maneiras de adquirir experiência que passa a ser vista como integradora. Muitos acreditam que o que faltou foi o exemplo de como lidar com as maldades do mundo. O esforço malogrado, geralmente transforma, cria a certeza de que a vida é uma guerra contínua na qual o mais fraco é destruído. Mas tudo começa pela avaliação quando se coloca na crise dos valores as possibilidades, as necessidades, sem questionamento. O esforço é sempre um problema, resulta de uma meta estabelecida por uma não aceitação, e assim é um ir além das próprias possibilidades, nesse sentido, sempre é esvaziador, gerando ansiedade, não aceitação de limites, onipotência, desde que é deslocamento de impotência não aceita. Casamentos fracassados, ilusões perdidas, sonhos destroçados e carreiras profissionais estereotipadamente realizadas pelo esforço, acerto, disciplina e correspondência com as boas regras explicitam o vazio criado pelo esforço, o “pulo do gato”, o jeitinho para conseguir.

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