Montagens e despistes



As aparências enganam desde que elas são construídas. Acontece que tudo é construído, até mesmo o natural. A questão não é o resultado, é o ato, a atitude.

Quando se manipula a realidade é sempre buscando objetivos criados pela não aceitação dos limites e de si mesmo. A construção da aparência é a mentira, a falsidade que propicia vantagens, mas que desvitaliza, fragmenta e desumaniza. Ser o que se é, é a única dinâmica que permite transformação.

Ampliar o real, considerar e avaliar como ele será percebido, estabelece variação, aparência. Saber que se é considerado, assim como ser tratado bem quando se é educado, bem vestido e simpático, reforça a busca para realizar essas ações, para conseguir aparências que levam a esses efeitos. Quando se faz isso é como se fosse criador do desejado.

Acontece que enganar já é deslocamento de tensões, de impotência e desejos a realizar. Vale reproduzir a história de Prometeu e seu confronto, sua tentativa de burlar Zeus - o deus -, mas que resultou em inúmeros problemas, inviabilizando a vida. É atribuído a Prometeu um papel importante e influente na história da humanidade.

Na mitologia, Prometeu, amigo de Zeus, mas a ele subordinado, diante dos dogmas e regras que lhe eram impostos, lidando com o divino, com os poderosos, com os que determinam, propôs o despiste. Assim, por meio da não aceitação das regras e poderes divinos estabeleceu códigos que, quando seguidos, criavam enganos propícios. Um exemplo é uma das passagens de sua lenda, na qual desejando ludibriar Zeus em benefício dos mortais, Prometeu dividiu um boi enorme em duas porções: a primeira continha as carnes e as entranhas cobertas pelo couro do animal, resultando em uma aparência desagradável; a segunda continha apenas os ossos disfarçados com a gordura branca do boi, de aparência apetitosa. O Senhor do Olimpo escolheria uma delas e a outra seria oferecida aos homens. Assim se apresenta a divisão: de um lado o sebo apetitoso envolvendo só os ossos nus. Do outro um pacote pouco apetitoso mas no qual está tudo que é bom para comer. Zeus olha os montes e diz: - Ah Prometeu, tu, esperto, fizeste uma divisão muito desigual. Zeus percebeu de antemão a astúcia mas aceita as regras do jogo, aceita o primeiro pacote, com absoluta satisfação, pega então a parte mais bonita, o pacote com o apetitoso sebo branco. Todos o olham, ele abre o embrulho e descobre os ossos brancos, totalmente descarnados. Tem, assim, um ataque de raiva contra Prometeu que quis ludibriá-lo. O terrível castigo não se fez esperar: Zeus privou os homens do fogo, ou seja, deixou os homens sem condições de cozinhar as carnes, consequentemente, de sobreviver. Mas isso é uma outra história…

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