Dúvida como solução ou negação de limites

 

 

Quando dúvida em relação ao que se vivencia, ao que se quer ou se espera, se instala, são criadas artificialidades. Esses instrumentos artificiais aproximam ou distanciam o que se está percebendo, questionando, temendo ou resolvendo. É uma situação na qual se faz lembrar a clássica afirmação dos gestaltistas alemães: o afastamento do problema gerador de dúvida pode ser uma aproximação solucionadora de impasse. Essa afirmação é contextualizada no conceito de meio geográfico - que é o meio tal como a ciência o descreve - e no conceito de meio comportamental - que é o meio tal como o indivíduo o percebe.

A dúvida que se estrutura no que se apresenta traz sempre soluções, entretanto, quando ela decorre de avaliação e comparação com o que se pretendia, o que se almejava (futuro), ou o que se temia (passado), ela cria mais dificuldades, mais problemas, afastando as possibilidades de solução. E nesse contexto, por meio da atitude de duvidar se exerce onipotência, desconfiança, o autorreferenciamento que sempre polariza tudo que acontece. O indivíduo decide o que acontece pelo não acontecido, ou pelo temido que aconteceu. É a recriação do fato, é a negação do mesmo. É distorção, é deslocamento de impasses e de limites para o infinito no qual "tudo vai ser legal", "tudo vai ser péssimo". Nos relacionamentos amorosos, por exemplo, a dúvida geralmente é um exercício da própria desconfiança, medos e expectativas. E assim, duvidar é também negar evidências, fazer de conta que o que acontece não está acontecendo, que o vivenciado como traição - a evidência do que foi percebido, constatado - não é verdade, foi um sonho, uma ilusão.

Psicologicamente toda dúvida resulta de um conflito. Ela é uma afirmação negada que possibilita uma pergunta. Duvidar é abrir caminhos para questionamentos, para mudanças em si mesmo, no outro, no mundo. Nesse aspecto a dúvida é um dos melhores iluminadores dos caminhos, das trajetórias humanas, pois ela transforma referenciais situantes em referenciais questionantes e assim dinamiza, possibilitando transformação.

Comentários

  1. Muitas vezes caminhamos pela vida meio anestesiados... Não temos tempo para dúvidas, questionamentos. Paradas pra refletir são necessárias, mesmo que gerem muito sofrimento.

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    1. Oi Nilma, o grande problema é caminhar "pela vida meio anestesiado". Beijos!

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