Perceber o próprio problema é libertador

 


 

Estar triste, desconfiado, inseguro sem saber o que vai acontecer, sem saber como se comportar cria expectativa, desejo de melhorar, de buscar soluções, tanto quanto, pela continuidade de frustrações e não realização dos objetivos, gera medo, depressão. Viver entre as quatro paredes de suas certezas, submetido às incertezas do que ocorre, separa o indivíduo de seu ambiente, aumentando também o seu autorreferenciamento, pois tudo que acontece é por ele percebido, entendido e traduzido como frustrações, ameaças e despropósitos à sua pessoa, aos seus planos e desejos. A culpa, o problema é sempre dos outros, do sistema, da educação, dos pais, do racismo, injustiças e preconceitos reinantes no país, no mundo, e desse modo é criado o círculo vicioso no qual tudo o que acontece é explicado pelo que não está acontecendo, pelo que poderia ou deveria acontecer. Institui-se assim as vítimas, os párias, os necessitados de ajuda, apoios e cuidados e também a grande legião de revoltados, infelizes e deprimidos.

Toda vez que a constatação das próprias dificuldades é atribuída aos outros - pais, professores, educadores, sistema - o que se almeja é anular a própria participação, o próprio estar no processo. É essa atitude que cria submissão/revolta, enfim, que cria marginalização, pois pela omissão o indivíduo se transforma em objeto, se desumaniza. Sempre há possibilidade de dizer não, de dizer sim, embora dificilmente haja possibilidade de assumir as implicações desse sim, desse não, se o indivíduo se circunstancializa em função dos resultados de sua atitude: de seu sim, de seu não. As metas, os desejos despersonalizam e então as atitudes são confrontadas com os contextos que as estruturam. Ir além das motivações circunstancializadas individualiza enquanto percepção de si mesmo, suas possibilidades, necessidades e limitações.

Perceber posicionamentos despersonalizados, constatar compromissos alienadores só é possível pelo questionamento que permite descobrir a extensão das próprias impossibilidades, tanto quanto das possibilidades de transformá-las. Viver é lutar ao enfrentar as constantes contradições e antagonismos que possibilitam a continuidade do estar no mundo com os outros. Viver é também desistir e assim quebrar a continuidade dos processos, criando ilhas, situações que parecem ser solucionadoras para viver em paz, para viver bem. Nesses processos - genéricos e globais - perceber que o problema não é do outro, não é do mundo, mas que é seu problema, é libertador, pois possibilita o controle e conhecimento das variáveis e total discernimento do que ocorre. É um insight, uma percepção esclarecedora pois configura e reconfigura situações. Novas perspectivas surgem, outras possibilidades se apresentam, grilhões são quebrados, espaços ampliados, transformações surgem e assim a magia de estar vivo, além das necessidades, uma infinita possibilidade, se impõe. É o questionamento resultante de lidar com o próprio problema, sem deslocamentos, sem culpa, sem medo, sem esperança, com determinação, objetividade, motivado pela vida: percebendo, constatando, aprendendo, realizando, desistindo, concordando, discordando, vivenciando tudo que está diante de si.

Comentários

  1. Amor, desprendimento e dedicação são palavras mágicas, como no Ho'oponopono.

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  2. Bela reflexão! Nossa implicação no processo é também nossa contribuição para a humanidade.

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  3. Ouvi um dia dizer que as pessoas são especialistas em transferir a responsabilidade pros outros. Exagero ou não, penso que quando se percebe não ter problemas, comjo externalidades, mas ser o problema, é um ponto de mudança. Vera, você (d)escreve bem paca!

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