Nichos adaptativos

 



Os principais condicionantes e garantidores de adaptação/desadaptação - os nichos adaptadores/desadaptadores - são os representados pelo nível de consumo e aquisição. Essa recente redução da dimensão social humana às variáveis econômicas é desindividualizante, pois reduz os processos ditos subjetivos à mera expectação e contagem, à verificação do que ocorre.

 

Já se nasce com caminhos definidos: periferia ou centro, casebres ou mansões, contextos intercalados por inúmeras variáveis. Essa corda esticada – do lixo ao luxo, do pouco ao muito – é curta, é tensa e cada vez demarca mais os espaços, criando, a nível psicológico, resíduos paupérrimos: as motivações são reduzidas a ser rico, não ser pobre.

 

Tudo gira em torno do que pode ser conseguido, adquirido. Consumo de comida, de bens, de viagens e de conhecimento datado, tudo é significado como vara de condão, como a magia que leva aos contatos com vizinhanças valorizadas, com personagens de riqueza e poder, com a comunicação e construção de aparência prestigiada, admirada, desejada.

 

Autenticidade é uma qualidade não quantificável e no universo da cópia, da reprodução e dos “likes” só o quantitativo significa. Chegando aí, fecha o círculo: vale o que se consome, o que se adapta, o que se tem. Esse processo está açambarcando tudo, é um nicho adaptativo e bastante destruidor pela unilateralidade e reducionismo operacional.

 

Tudo é moeda. Tudo tem valor de troca. Isso adapta e desvitaliza, tanto quanto desadapta e tensiona. Luta-se pela mesma coisa. Nesse sentido os pobres e ricos se igualam. Todos esticam a corda, só que um lado tem mais força, o outro mais gente.

 

Esta corda cada vez mais esticada, cada vez mais reduzida talvez traga a mudança qualitativa necessária à transformação. A princípio, a luta por mais coisas, que acomoda e desacomoda, pode ser o que transformará. É desesperador apostar no desajuste para que haja mudança, mas é uma lição; independente de certezas ou desvantagens, as coisas mudam, os resultados independem de valores, mesmo quando o que está em jogo são fundamentalmente valores civilizatórios e humanos.

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