Desistência comprometida
Abrir mão de si é um dos mais encontradiços estados de não aceitação, consequentemente de neurose. Não se aceitando, não se suportando, o indivíduo escolhe padrões, situações pelas quais se vê reconhecido, significativo e aceitável. Agir como os famosos agem, ser como os ricos e bem sucedidos são, também esconder e tentar apagar tudo que considera denunciador de suas origens e aspectos de sua não aceitação, para assim se classificar para as situações de sucesso. A vida passa a ser resumida entre aparentar o valorizado e esconder o que pode ser demérito. Copiar e seguir a escada do que é considerado sucesso exige reinicialização. É preciso apagar todo traço que possa desabonar, é preciso reconfigurar vivências, parentescos e amizades. Sem história, sem traços que o denunciem e comprometam, o indivíduo segue sozinho para novos horizontes. Necessário manter amigos, alianças, mesmos caminhos, que o tornem aceitável e respeitado. Abrir mão de si, de sua história, é seu novo nascimento. Surgir como único, herói de adversidades, promissor de futuro é tudo que dele se espera. Esse novo ser, assim entronizado, tem diante de si infinitos caminhos, inúmeras possibilidades, apenas o “onde tudo começa” é a sua direção e dificuldade. Não há como apagar, pois das cinzas, ressurge a todo momento o que se é, o que se deixou para trás. Caminha apagando os rastros, tentando novas sendas e nada consegue pois abriu mão de si para realizar desejos, metas e ambições. O que deixa é sempre o que configura o seu ser. É o medo, é a ganância, é a competência do não deixar rastros e assim atingir novos patamares.
Quando se abre mão de si mesmo, se joga fora vivências de frustração e desespero, e se utiliza planos de robotização e mecanização arrasadores de sua legitimidade enquanto ser no mundo. São os pigmaleões, os robôs, os mestres inventados que nada mudam pois apenas restabelecem novos desenhos sobre o que não agrada, sobre ele próprio. O processo da não aceitação é implacável. Quanto mais se é aceito pelo que aparenta, utiliza e compra, mais é questionado e mais disfarça pelo que nega e esconde. Abrir mão de si é o equivalente ao vender a alma ao diabo para tudo conseguir de êxito e riqueza. Não se abre mão de si e quando se intenta isso se continua o processo de não aceitação que tudo amesquinha, problematiza e infelicita. Negar a si mesmo é destruir conflitos, sonhos, ilusões, medos e história. É apagar caminhos que são personalizantes quando vivenciados e questionados.
Esse artigo descreve aqueles que creem que os fins justificam os meios. Se negam sua própria história, como perceberão os outros, que respeito terão? Aceitar e explorar as próprias incoerências e impasses é essencial para formar uma identidade autêntica e coerente consigo mesmo.
ResponderExcluirVocê tem razão Augusto.
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