A certeza como engano

Certeza, crença, convicção, dúvida, além de constantes na vida psicológica são temas tradicionais das discussões teológicas e da reflexão filosófica, amplamente conceituados e sistematizados nas várias teorias, tanto na religião, quanto na filosofia e na ciência.

Para nós, a certeza é um estado psicológico que se caracteriza por impermeabilização que impede a dúvida.

A unilateralização das vivências e desejos se constitui para muitos, em um porto seguro, uma âncora que garante não ser arrastado pelos ciclones das mudanças e da impermanência.

Ter certeza, jamais se questionar, jamais duvidar das próprias convicções ou da visão que tem de si é uma tentativa de evitar a ameaça da impermanência e a hesitação que a acompanha, é uma maneira de manter-se focado nas próprias metas.

A instrumentalização das possibilidades, a instrumentalização da crença de ser honesto, bom e capaz como um a priori, por exemplo, impermeabiliza. Manter a priori, instrumentalizar habilidades ou características próprias valorizadas, posiciona, esvazia, quebra a dinâmica relacional do ser no mundo.

O vazio e a fragmentação resultantes de posicionamentos transformam o humano em alvo eleito para arregimentação de fieis (nas várias religiões), para arregimentar amigos carentes e responsáveis (nos círculos familiares e de amizade). Surgem crenças, bem expressas em frases populares como: "se rezar estarei a salvo das tentações, Deus nos salva". Surgem as instrumentalizações, por exemplo, de ser responsável, cumprir as obrigações, atos simples e corriqueiros são transformados em credito, em certeza de que nada será ruim, pois "virtudes" estão sendo cumpridas. Esse processo normalmente resulta em compulsão ou em fanatismo.

O compulsivo é o que avalia, se enche de 'crédito', regras, senhas e certezas que o beneficiarão; seguindo todas as regras, todo o ritual, nada dará errado. A certeza decorre do exercício da regra, do método. Nesta vivência compulsiva, com todos estes controles, alguma coisa está errada, só que isto não é percebido, isto é o fundo, o contexto à partir do qual o comportamento é exercido.

O compulsivo diariamente tenta evitar enganos. Vive avaliando. Não existe por existir, as evidências não significam, tudo precisa ser avaliado, verificado; a necessidade de certeza se impõe. O natural, o instantâneo desespera. Ele existe através de senhas que devem ser cotidianamente acessadas.

O fanático, assentado em suas certezas, é basicamente intolerante e agressivo com todos que divergem de suas posições, é igualmente impermeável às evidências, mantendo-se em seu autorreferenciamento.

A falta de disponibilidade, a quebra da dinâmica relacional, o posicionamento nas próprias necessidades são algumas das consequências de posicionar-se em certezas inabaláveis.

Sempre podemos ter certeza quando vivenciamos as possibilidades relacionais. Sempre teremos engano quando, pelas necessidades a satisfazer, utilizamos nossas certezas como lemas, regras de conduta.



- On Certainty de Ludwig Wittgenstein

verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Muito bom o artigo Vera, traduz de forma clara como não se percebe o que estrutura a ilusão das certezas absolutas. Nietzsche diz que a crença forte prova apenas sua força, não a verdade daquilo em que se crê. Nossa, você falou muito. Compreendo que a certeza enquanto possibilidade relacional é intuída, apreendida diretamente na vivência, confiando no que se percebe (isso não impede o questionamento, se está realmente certo ou enganado).

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  2. Ola!VERA.
    ADOREI SEU BLOG.
    Sou estudante de psicologia e gostaria de ler seus livros onde posso encontra-los sou aqui do Parana.
    Querida agradeco seu carinho.
    noemi

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    Vera

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    com os devidos creditos.
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