Ícaros
As pessoas estruturadas na não aceitação da não aceitação, geralmente se propõem ao impossível. São inúmeros os exemplos deste processo, como: perceber a própria estatura mediana como fator responsável pelo não sucesso, criando propósitos de mudança comprometidos com finalidades e objetivos impossíveis. Disfarces e próteses reparadoras não mudam a estrutura, não mudam a estatura básica individual; fazer de conta que não dá importância, comparar a questão com o que é considerado sucesso, passa a ser uma solução, como expressam frases do tipo: "sou baixinho mas tenho muito dinheiro".
Comparar as dificuldades, comparar os problemas é uma maneira de escondê-los. Processo e realidade são inexoráveis, independem dos desejos e diferenças individuais, embora sejam por eles estruturados. Tudo é feito para superar e esconder o problema, consegue-se disfarçá-lo, consequentemente ele deixa de existir pregnantemente para o problemático, mas fica estabelecido como estrutura, contexto à partir do qual tudo é vivenciado. A transformação do impedimento em referência é uma acrobacia que posiciona, esvazia e infelicita. No exemplo do caso da estatura mediana não aceita, esta dificuldade, quando transformada em referência, leva à criação de padrões, contextos e situações onde não existem medidas de tamanho, de estatura. Consegue-se o que se quer, atinge-se o que se deseja driblando, escondendo. Esta realização das impossibilidades, dá ânimo, força, tanto quanto deixa sempre a marca indelével do que se detesta e quer evitar.
As não aceitações físicas criam a impossibilidade permanente, tensionante, gerando também a busca desesperada de permanente solução. Qual o significado de permanente e da permanência nesta situação? Aparência, o que é exposto. Solução rápida: imagem que precisa estar sempre renovada, mudada para permanecer passível de camuflagem. Este paradoxo absurdo do mostrar para esconder, gera impossibilidades relacionais sérias. Nada pode ser muito íntimo, tudo deve ser contingente, fortuito e representativo: vale o que aparece, escondendo.
As não aceitações de origem, ter vergonha dos próprios pais, de não ter estudado por exemplo, também geram sonhos impossíveis, aparentemente realizáveis devido a sinalizações e caminhos organizados para superação de dificuldades. Saber como se comportar, lutar para isto, pode até garantir vitória, estrutura adaptação, adequação, mas não estrutura aceitação da não aceitação. As não aceitações calcadas nas dimensões sociais são mais exequíveis de resolver pelo rápido apagar das trajetórias; para eles quando se chega ao topo, se está no topo.
Não deixar rastros, se impor, estar fortemente ancorado no lado bom e valorizado, gera posicionamentos criadores de padrões, preconceitos e ilusões.
Alguns vôam com suas asas postiças, esquecendo até da cera que prende as asas e que inexoravelmente será derretida pelo calor do sol ou pelo próprio movimento do vôo, pelo bater de asas.
Outros instrumentalizam os questionamentos e denúncias, ficam blindados, imobilizados, protegem suas asas e nem tentam voar, "salvam-se" pela depressão, raiva e medo.
A não aceitação como desejo impossível só pode ser eliminada, neutralizada através da aceitação da não aceitação.
"Paisagem com a Queda de Ícaro" (cerca de 1558), de Pieter de Oude Bruegel
"Dinheiro e Magia", de Hans Christoph Binswanger
Adorei, Vera!
ResponderExcluirPercebi em mim alguns "Ícaros". A metáfora das asas postiças é perfeita para ilustrar a não aceitação da não aceitação e as metas (ou desejos impossíveis) como mantenedoras dessa não aceitação.
Bjs.
Exatamente Ioná, muito boa sua observação. Obrigada.
Excluirbeijos