Estética e ética não existem na sobrevivência
Viver apenas para sobreviver exige foco, ganância, desconsideração para com o outro. Na sobrevivência só o "salve-se quem puder" significa. Não se considera nada diferente disto; o outro, a ética, o dever, a compaixão não existem. De exemplos corriqueiros a exemplos extremos, convivemos com estas atitudes: o enfermeiro que mata o doente que ele cuida para vender seus medicamentos; o padre que utiliza seus pupilos para satisfazer desejos; os que caluniam, denigrem, "sujam reputações" para, através das situações decorrentes, ficar com o emprego, são formas de sobreviver, são "maldades necessárias" para aplacar as necessidades e melhorar a condição de vida.
Esta falta de escrúpulos estrutura aberrações, monstruosidades. Quebrar a harmonia, estabelecer o caos, a desordem é fragmentar o humano, é tirar a beleza - dimensão característica do que é oraganizado, harmônico. Sem beleza, resta conseguir esconder a feiúra, estratégia que demanda próteses que melhoram: "brasões", títulos e histórias que dignifiquem, acrescentem alguma suposta beleza. Estas aposições são massacrantes - as estruturas são ínfimas para suportar tais aderências. Sacos vazios, tubos que toda hora precisam de preenchimento e que rápido se esgotam é o que aparece neste contexto sobrevivente. A droga, o sexo, a comida, os remédios, os aplausos trazem momentos de felicidade, só assim alguma coisa é sentida, percebida.
Utilizar a necessidade de sobreviver de todo organismo como base para o consumo de tudo, cria desumanização, gera ansiedade, pânico, sintomas causados pela compressão das possibilidades, transformando-as em necessidades.
Antíteses a estas situações podem começar a acontecer, estruturando dimensões de cuidado (ética), de organização (beleza) e assim humanizando, fazendo perceber o outro e a si mesmo sem avaliações, sem pragmatismo, sem canibalização, sem vampirização.
"A beleza salvará o mundo", escrevia Dostoievski. Outros autores também se dedicaram a pensar a ética e a beleza, como São Tomás de Aquino e Sto. Agostinho com as suas prédicas e orações que conduziriam a Deus; ou Kant com seu conceito de 'dever', abordagens que através da moral e da religião tentavam salvar o homem de seus abismos.
Ao pensar que a beleza salvaria o mundo, Dostoievski pensava na compaixão, buscava remédio para os males humanos. Se pensarmos em profilaxia, beleza é harmonia, não posicionamento, não autorreferenciamento.
"Duas viagens ao Brasil" - Hans Staden
"História da beleza" - Umberto Eco
"História da feiúra" - Umberto Eco
verafelicidade@gmail.com
Gostei muito da sua original associação de 'beleza' com 'organização', Vera, e principalmente da maneira como desenvolveu o artigo, mostrando a feiúra dos males dos homens. Vislumbro também em seu texto, a beleza como integridade, inteireza... a beleza a serviço da humanização. Uma maravilha! Fico sempre impressionada com a originalidade e profundidade de seu pensamento, por exemplo quando você fala em "sobrevivência" e uma leitura rápida poderia associá-la com pobreza ou luta pela vida, mas quem conhece suas conceituações sabe que tanto pobres quanto ricos podem estar predominantemente no "nível de sobrevivência ou no nível existencial" (como você bem desenvolve em "Terra e Ouro são Iguais"); encontramos esta falta de estética e de ética nas mansões e nos casebres. Me lembrei de “Grande Sertão:Veredas” e da beleza impecável daquele mundo árido.
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Obrigada Ana, a unidade, não estar dividido, é que faz com que as pessoas, ao constatarem seus problemas, a eles se dediquem. Quando a constatação ocorre em uma estrutura dividida, eles negociam, barganham sem escrúpulos com sua problemática, é feio.
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Obrigada pela resposta, Vera. É como tenho entendido suas colocações e este ponto da não divisão e da dedicação aos problemas foi, desde o início da leitura de seus trabalhos, uma grande descoberta para mim. Acho que já mencionei meses atrás aqui, que seu trabalho é muito bonito (uma leitura que gera uma experiência estética), além da beleza literária tem este tipo de beleza evocada neste último artigo: humaniza. Você toca em algo que nos torna todos iguais, para além das diferenças formais.
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Obrigada Ana, gosto muito de seus comentários.
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:-)
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Gostei muito Vera!
ResponderExcluirQue bom Monica.
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Oi, Vera.
ResponderExcluirAna foi muito feliz nos seus comentários. Realmente seu trabalho é belo e ético. Por isso ler e se dedicar a compreender seus textos, seus livros, sua teoria enfim, ajuda a perceber nossas possibilidades de relacionamento, a resgatar nossa humanidade.
Obrigada Ioná, seu processo de acompanhar mudanças, questionamentos e antíteses, tem lhe tornado uma pessoa bastante participativa.
ExcluirBeijos
Vera,
ResponderExcluirSeu belo texto me fez pensar numa frase que costumo ouvir com freqüencia, que é: "a perfeição não existe" . Realmente, num estado sobrevivente é impossível vislumbrar a perfeição. Seu texto, aliás, toda sua obra, nos lembra que a perfeição existe sim. Ela está onde há integridade, coerência, cuidado, organização e harmonia: beleza e ética.
Como boa virginiana, não me cansarei de almejá-la. ;-)
Beijos,
Milena
Perfeito, Milena. Querer, almejar é tudo de bom, desde que não vire meta nem álibi.
ExcluirBeijos
Sim, sim! ;-)
ResponderExcluirBeijos