Renúncia - Unificação de Contradições

A única maneira da renúncia se efetivar é através do desprendimento, da disponibilidade.

Desapegar-se é um caminho para a renúncia, um caminho possível somente quando se é questionado no autorreferenciamento e suas implicações de motivações vivenciais.

As garantias responsáveis pela satisfação de necessidades são também aprisionantes. Manter-se dentro destes referenciais neutraliza descobertas, implicando principalmente na renúncia à liberdade. A renúncia por apego ao que satisfaz impede a disponibilidade, impede a unificação das contradições opressoras, cria os renunciantes apegados, aqueles que buscam salvação através do bom funcionamento, da obediência constante e da salvação eterna.

Desprendimento é a não avaliação, o largar; como já dizia o poeta "… e um gesto irônico ao que não alcanças" *

Abrir mão, soltar, largar, não reter é renunciar. Aceitar limites só é possível quando se renuncia a metas, propósitos e desejos. Entender que a morte faz parte da vida, que perder é ganhar, enfim, unificar contradições é o que permite renunciar. Esta ultrapassagem de contingências é possível quando os medos, os valores e limites foram transcendidos e as divisões unificadas.

Tudo é igual quando as diferenças são estabelecidas. Os resultados diferem, mas o processo é sempre o mesmo: continuidade, questionamento, posicionamento.

Pular fora do limite e ir além do estabelecido é sempre unificador, sempre soluciona pendências e contradições. Crescer é renunciar à manutenção do conseguido.

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* Raul de Leoni em  "ET OMNIA VANITAS…"





 











"The Dialectics of Liberation" editado por David Cooper
"Diferença e Repetição" de Gilles Deleuze

verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Fiquei com algumas dúvidas.
    Na sua compreensão renunciar não é a mesma coisa que abandonar, pois abandonar envolve avaliação (decorrente de aversão ou apego a certo posicionamento). É isso?
    Alem disso, essa renuncia tem a ver com o que algumas pessoas chamam de "teoria paradoxal da mudança"?

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  2. Oi Diego, a renúncia é estruturada pela disponibilidade, o que só é possível quando as contradiçōes são unificadas; unificar contradições é impossível no autorreferenciamento que cria convergências/divergências. Renunciar não é abandonar nem tem relação com teoria paradoxal da mudança.

    Abraço, Vera

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  3. grato pela resposta Vera.
    Lendo ela surgiu mais uma dúvida que eu estava querendo há tempos te apresentar: o autorreferenciamento é intrínseco ao ser humano (devido sua busca por sobrevivência)?
    Ou ele é uma maneira de viver que tem uma causa (por exemplo, as experiências que uma criança tem com seus pais, ou melhor, os mecanismos de defesa que a criança desenvolve para conseguir sobreviver em certos ambiente familiares)?

    De certa forma, é semelhante à pergunta "o mal é intínseco ao ser humano ou ele é uma condição construída?".

    Tenho mto interesse nisso porque venho refletindo um tanto a respeito da primeira infância, e das possibilidades que uma criança tem para vivenciar experiências de não ser aceita como ela é, mas apenas aceita como ela deveria ser de acordo com um projeto dos pais. Será que a criança consegue ter uma atitude de renuncia frente a uma não-acetação dos pais? Será que ela consegue viver sem a aprovação deles?
    E se não consegue, não estaria aí a origem de praticamente todas as dificuldades futuras da pessoa? Ou seja, o autorreferenciamento seria um mecanismo de sobrevicência que a criança contrói para se proteger (do próprio autorreferenciamento dos pais...).
    Isto é, autorreferenciamento passado de geração a geração, em vez de uma condição intrínseca do ser humano.

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  4. Oi Diego, autorreferenciamento não é intrínseco ao humano, intrínseco ao humano é a necessidade e possibilidade de relacionamento. Autorreferenciamento é um dos sintomas de neurose, um dos sintomas da não aceitação. Crianças não aceitas se autorreferenciam, isso não é intrínseco, é um dado relacional. As questões da infância, da estruturação da neurose só podem ser enfocadas e resolvidas em psicoterapia. Para o leigo, o substrato teórico, conceitual vai funcionar como sinalização para a questão, mas, em certo sentido, confunde, cria circularidade, faz um labirinto; quando não se dispõe de clareza conceitual, lógica.

    Abraço, Vera

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