Fidelidade

Fidelidade ou traição pressupõe, como tudo, contextualizações relacionais. Ser fiel a si mesmo ou ao outro é a movimentação instantânea que existe quando se é livre, quando se é coerente, quando se aceita.

Enganar, iludir é estar comprometido com metas, é querer conquistar, querer vencer e utilizar o outro como artefato.

O indivíduo, quando dividido, fragmentado trai, engana, negocia. Quando unitário, inteiro é fiel, é coerente.

Viver querendo ser aceito, criando imagens e referenciais que possibilitem este processo, é comum quando se procura conseguir bem-estar e tranquilidade sem condições para isto. Consequentemente, as garantias de sucesso e aprovação partem de traiçôes diárias feitas a si mesmo e aos outros. É o trambique, a propaganda enganosa, o uso do outro para aplacar incapacidades, a omissão, a submissão.

Aliciar menores, por exemplo, utilizar as necessidades carenciais do outro para o que se deseja, é também traição. Quando se pensa no amor como algo a ser construído e conseguido, começam as traições, infidelidades, pois que o outro é visto como a presa, o butim, o prêmio, a recompensa.

Na neurose - na não aceitação - não é possível ser fiel, mesmo quando o indivíduo a isto se propõe. Não há liberdade na neurose, não há coerência; aí só existem medos, metas e imagens a manter, esconder e construir.

A fidelidade implicará sempre em traição quando não há unidade, quando existe divisão de propósitos: o fiel a X é infiel ao diferente de X, ao não-X. Judas, o ícone da traição, foi fiel aos seus desejos de usura e de vingança.

Estas visões relacionais eliminam uma série de cargas, tais como: culpa, medo, raiva, sempre vivenciadas autorreferenciadamente como impotência/prepotência e omissão, resultantes de deslocamentos das situações não enfrentadas. O importante é estruturar unidade, o que só acontece quando detidos os deslocamentos e neutralizadas as divisões criadoras das infidelidades, das traições.
















"Barba Ensopada de Sangue" de Daniel Galera
"Antígona" de Sófocles

verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Adorei esse texto, vera.
    evidenciando duasb frases:

    *(...) querer vencer e utilizar o outro como artefato.

    **Não há liberdade na neurose (...)

    ;)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Graça, obrigada por comentar. As frases que você assinalou são o cerne da questão da aceitação, vivência do presente, consequentemente da unidade que possibilita fidelidade.

      Abraço, Vera

      Excluir
  2. Minha querida, que mergulho gostoso na profundidade! Você disse tudo, e com esclarecedora simplicidade. Parabéns!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Os mais lidos

Polarização e Asno de Buridan

Oprimidos e submissos

Sonho e mentiras

Formação de identidade

Zeitgeist ou espírito da época

Mistério e obviedade

Misantropo

A ignorância é um sistema

“É milagre ou ciência?”

A possibilidade de transformação é intrínseca às contradições processuais