Desconfiança
Como seres humanos somos sistemas relacionais, pontos de convergência/divergência de inúmeras variáveis, somos necessidades e possibilidades de relacionamento.
Viver em função de satisfazer necessidades, posiciona. Esse posicionamento estrutura autorreferenciamento. No autorreferenciamento procura-se verificar conformidades, confrontar regras e padrões, pois acha-se que é isso que une, que gera familiaridade e confiança. A atitude decorrente dessa estruturação autorreferenciada é a avaliação: verificação do outro e dos acontecimentos da vida. Constantemente medindo e avaliando, consegue decidir, aproveitar o máximo e atingir os ideais familiares e comunitários. Dessa forma, passa-se a viver sem confiar no que ocorre, no que percebe: nada se explica por si mesmo, tudo deve ser verificado. É a falta de espontaneidade equivalente à pesquisa cadastral e curricular para que se possa entrar em contato com o outro. A confiança assim adquirida é fruto de manipulação e de regras esquematizadas: encontrar o parelho, o confiável é, então, um processo cujos caminhos são determinados por clichês e estereótipos. As aderências são transformadas em características intrínsecas. O preço pago por essa violentação é não discernir, não saber o que está acontecendo, com quem se está.
Viver desconfiado é viver isolado desde quando o outro é percebido, dentro do autorreferenciamento, como um apêndice, uma peça instrumental que ajuda ou atrapalha.
Desconfiar é estar à mercê, é não saber, não configurar, não globalizar o que ocorre. Confiar pode levar a engano, mas não deixa ninguém inseguro, sem discernimento ou à mercê do que ocorre. Para confiar é necessário não estar autorreferenciado, é preciso autonomia para ser com o outro e descobrir o novo que nega o anteriormente vivenciado ou o lança em outros contextos, em redes relacionais.
Confiar é imunizar-se para decepções desde que ao confiar não existe expectativa, regra ou desejos a serem preenchidos.
- "Toda Poesia" de Leminski
- "Lógica do Pior" de Clément Rosset
verafelicidade@gmail.com
Querida Vera,
ResponderExcluirTexto maravilhoso!.Um dos meus preferidos. Muito esclarecedor, já reli várias vezes.
Sempre me armo com todos os instrumentos, para garantir se óbvio é o certo ou melhor se óbvio é o obvio, se a realidade que se apresenta a mim, é de fato a realidade que devo perceber e, quanto mais faço isto, mais me distancio da realidade e mais doente me sinto.O último parágrafo resume tudo. Graças a seu trabalho, tenho condições a voltar a estrada da vida e caminhar. Sempre grata!!!.As vezes me pergunto que fiz para merecer tanto.
Como Fernando Pessoa afirma:
,,,Valeu a pena tudo vale a pena se alma não é pequena.
Quem quer passar além Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deus,
as nele é que espelhou o céu...
Um grande beijo.
Ana Cristina
Ana Cristina, obrigada pelo comentário, valeu!
ExcluirBeijos, Vera