Tatuagem

Sempre que identificamos tornamos nítido e pregnante, criamos novas configurações onde a Boa Forma (lei perceptiva) se estabelece, ocasionando diferenciações contextuais ou reorganizando o existente.

Mudar e identificar, sinalizar determinando novas escolhas, novos caminhos é um processo característico das dinâmicas relacionais humanas. Esta construção de espaço - formador de ideologias, comportamentos, modas e hábitos - tem tido, ao longo dos séculos, várias expressões configurativas de marcas desejadas como diferenciadores culturais e psicológicos. Das casas - moradas construídas - às roupas - proteções costuradas - atingiu-se outros níveis onde as aderências foram transformadas em limiares.

A pele é o fim e o início, protege tudo que não aparece e expõe tudo que indica. Sinalizadora por excelência, recebeu em várias culturas a função de superfície a ser desenhada, papel indicativo de ações sociais e funções religiosas. No Japão, os irezumis - desenhos pintados na  pele através da inserção de tinta na mesma - visavam deixar uma marca definitiva, geralmente embelezadora e em alguns casos, após a morte, a pele pintada (irezumi) passava a fazer parte de painéis artísticos. Nas Americas, Oceania e Ásia, povos autóctones sempre fizeram uso das tatuagens como símbolos de tribos e comunidades religiosas. A corte européia, depois das expedições de James Cook, se tatuou, gerando um período de modismo, no final do século XIX, que via na tatuagem sinal de embelezamento e estas marcas embelezadoras de específicas culturas foram estigmatizadas com o passar do tempo: os sinais, os desenhos começaram a representar estratos sociais economicamente menos privilegiados, como as tatuagens dos marinheiros, por exemplo.

Todo relacionamento gera posicionamentos geradores de novos relacionamentos, esta infinita continuidade cria, no que se refere às marcas identificatórias, estígmas, discriminações, aceitações e não aceitações.

O cotidiano dos indivíduos e épocas históricas, também trazem significados através das marcas na pele: cicatrizes, frequentemente, são percebidas como marcas de vida ou sinais de acidentes, doenças, ameaças e, nos anos 40, os números inscritos na pele denunciavam a crueldade, barbárie sofrida nos campos de concentração nazistas.

Tudo o que é indicado possibilita globalizações unificadoras ou distorções fragmentadoras. A marca que identifica, quando é parcializada, pode ser fator de estígma, de preconceito. Construir perfis que buscam afirmar ou negar situações de riqueza, pobreza, confiabilidade ou incerteza são maneiras de manipular marcas ou critérios identificatórios.

Para conhecer (perceber que percebe, constatar) é necessário ir além do tatuado, do marcado, do estigmatizado e assim, ir além é a única maneira de se deter no existente percebido. Delineado este caminho, infinitas possibilidades são abertas para o dado, o indicado, o percebido: tatuagens, marcas, máscaras, individualidades.
















- “Expérience et Jugement” de Edmund Husserl
- “Pérola Imperfeita: A História e as Histórias na Obra de Adriana Varejão” de Lilia Moritz Schwarcz e Adriana Varejão

verafelicidade@gmail.com

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