Demagogia e ilusão

Assistir os programas de propaganda eleitoral é assistir manipulação das necessidades e urgências das populações e cidades, transformadas em promessas. Todos falam em melhorias na saúde, educação, segurança, transporte de qualidade, geração de empregos. A transformação do que é necessário, das necessidades intrínsecas ao desenvolvimento social, em "projeto eleitoreiro", equivale ao que acalenta sonhos e ilusões - quando se quer usar e enganar amigos, familiares e amantes - têm os mesmos denominadores.

Ao transformar as necessidades em plataforma política, as estratégias marqueteiras alimentam a alienação; abdica-se da reflexão em prol da manipulação para o alcance ou manutenção do poder. Nas não aceitações das impotências individuais se transforma problemas em justificativas, criando motivações alienantes, tanto quanto, se constrói os salvadores da pátria e dos sonhos.

Medos, dúvidas e incapacidades no lidar com o cotidiano, no fazer frente ao que aliena e explora, criam polarização e busca de mediações redutoras. Quem salvará? Quem mudará este país? O que é a salvação? Perguntas respondidas ao aderir às promessas. Os "santinhos eleitoreiros" passam a ser indicativos do guardião, do governo, ou melhor, da pessoa que mediará e resolverá dificuldades. Os ouvidos atentos da publicidade e mídia, constroem escudos artificiais, que são verdadeiras portas de emergência para o escape de multidões atordoadas, da mesma forma que, na vida individual, o sedutor realiza os acalentados e antigos, quase desgastados, sonhos de felicidade e realização.

Apreender as dificuldades, auscultar demandas é eficiente quando se quer criar caminhos convergentes para realização dos próprios objetivos. O candidato que luta pelo povo, que conhece a pobreza, que sabe da riqueza, cria plataformas redutoras e transformadoras das motivações. Insinua-se como restaurador, quando na verdade, quer manutenção de privilégios, compromissos e acordos.

A melhor maneira de enganar é acenar, prometer resolver o que é fundamental. Manipular o cidadão cooptado pelo que necessita, gera ilusões. Atmosferas democráticas não são construídas com satisfação de necessidades individuais, não é a comida a mais no prato que as resolve; a atitude de prover se esgota em si mesma, é atendimento funcional que nada constrói, salvo dependências e expectativas de manutenção. Assistencialismo não produz riqueza, é como o apoio terapêutico, que nada transforma, apenas mantém. Mudar implica em se deter nos problemas, apreender seus estruturantes. Buscar soluções, saindo do universo das estruturas problemáticas, significa negar os problemas, transformá-los em pressão propulsora, em desejos de mudança que são criadores de novos problemas. Esperar a realização do prometido, não contribui para a criação e estabelecimento de atmosferas democráticas e consequentes melhorias socias, apenas cria submissos. Lembrando Nietzsche… "nossa inteira sociologia não conhece nenhum outro instinto senão o do rebanho, isto é, dos zeros somados -, onde cada zero tem 'direitos iguais' onde é virtuoso ser zero…"

Denominadores comuns são abrangentes, paradoxalmente redutores, desde que ao condensar, igualar, ultrapassam especificidades. O que sobra destas operações é o resíduo, cada vez maior, dos descontentes e frustrados que resumem os humilhados, ofendidos e enganados, seja no público ou no privado. Na esfera pública, o tudo fazer para manter o poder, transforma os cidadãos em peças de um jogo para realização de interesses do poder; na esfera privada utiliza-se o outro para realização de objetivos, desejos e metas individuais.

















- "Nunca lhe prometi um jardim de rosas" de Hannah Green
- "Humilhados e ofendidos" de Fiodor Dostoievski


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