Esgotamento
Acuado por todo um processo de sobrevivência aniquiladora e frustrante, o indivíduo se agarra em qualquer apoio, desde que isto signifique sobrevivência, signifique dissimulação necessária para se sentir considerado, adequado, não importa em que parâmetros. Os julgamentos não são feitos em função de verdades, mentiras, honestidade, desonestidade, ao contrário, as conclusões são sempre no sentido do que o deixa bem, com necessidades satisfeitas ou encobrindo carências e falhas vivenciais fragmentadamente expostas.
Todo este deslocamento realizado em função da sobrevivência, cria hábitos, marcas, fisionomias, configurações definidoras. É o vício, o que anda sozinho, no automático, sem questionamento ou busca de discernimento dos determinantes das atitudes. O vício é o que identifica. Seja o hábito viciante, seja o conforto da carta marcada que vence o jogo, seja a imagem construída para esconder não aceitações, a identidade estruturada pelo vício é definidora do vazio, isto é, de buscas recicladas para que seja construído algo, consequentemente, nada mais que repetição dos automatismos vivenciados. Um vazio que se completa é o paradoxo estruturado. Esta antropomorfização coisifica, cria solidão, isola. A imagem é o accessório que permite oxigenar o devastado. Quando o indivíduo é definido, identificado pelo vício, ele é transformado em suporte de demandas, um ponto de encontro de contradições por ele transformadas em aleatórias e não significativas, desde que nada que o atinge tem sentido.
Negar a continuidade, a contradição, é negar a própria vida, é cada vez mais se alienar em função de posições e imobilidades estranhas aos processos vitais. Consertar o desvitalizado é como criar golems*, instrumentos para realização de metas, desejos e ajustes. O processo de criar imagens aceitáveis vicia e neutraliza a capacidade de mudança, pois que só na repetição se obtém satisfação das próprias necessidades.
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* Golem - na tradição cabalística, era uma maneira mágica de vitalizar seres inanimados.
- "Ian Curtis - Tocando a distância - Joy Division" de Deborah Curtis
- "Dioniso a céu aberto" de Marcel Detienne
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