Regras e modas

Sentir-se bem por estar dentro dos parâmetros, regras e modas vigentes, é uma maneira de se sentir aceito e satisfeito. Exatamente por isto, a questão da aparência é bastante importante, tanto quanto, o consenso demonstrado pela aceitação do grupo.

A insegurança, a convicção de ter coisas a esconder, o medo de ter problemas expostos, cria regras e demandas para o disfarce. Conseguir ser aceito pela aparência, pelo que se demonstra e exibe ser, é uma vivência aderente, que não estrutura autonomia, pois resulta sempre do esforço para manipular, agradar e se inserir nas faixas modais de frequência e sintonia expressas por demandas circunstanciais.

Manter-se dentro das normas aceitáveis cria adequação, ajuste, assim como medo, fingimento e incerteza. Se por um lado, determina modos de coexistência, por outro, estabelece despistes e mentiras fraudadoras do relacionamento, da comunicação com o outro.

Em sistemas, sociedades, situações, onde o esperado é o cumprimento de regras e papéis assinalados, pouco importam as motivações individuais. Vive-se para conseguir realizar papéis e funções e isto só é possível à medida que os mesmos não sejam questionados. Executar o determinado é o que valida e leva à aprovação, criadora de bem-estar e de aderências alienantes.

Aplacar as não aceitações psicológicas, as questões existenciais e viver através de acordos e compatibilizações com o que traz aprovação, é danoso para a estruturação de autonomia e coerência. Isto impede a vivência do presente, do que está aqui e agora acontecendo, gera ansiedade, que é sempre utilizada para avaliar, para verificar se deu certo. O bem-estar se instala ao ser aprovada a performance, a aparência-imagem, as tentativas de verdades e mentiras configuradoras de opiniões, de expressões e inserções relacionais.

Quando o bem-estar é o resultado final de esforços, ele nada mais é que a tentativa de somar, ajustar pedaços, partes fragmentadas da totalidade ser-no-mundo com os outros.

Quando o bem-estar é resultado de aceitação, ele é o estado de disponibilidade que permite a continuidade de apreensões, configurações relacionais integradoras, não subtraídas pelo faz de conta da aparência, da aderência resultante de justaposições anômalas, arbitrárias, modais e descontínuas.

Ser com o outro traz aceitação. Esconder-se do outro, cobrindo-se com aparências aceitáveis, pode trazer lucros, que mesmo valiosos, geram sempre insegurança, criando constante solidão que, por sua vez, também deve ser escondida, neutralizada pelo procurado bem-estar das drogas e outros vícios.




- "O homem duplo" de Philip K. Dick

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