Vínculos

Tudo é relação e psicologicamente isso pode ser traduzido como estabelecimento de vínculos. Estar em relação é estar vinculado e quando ocorre em relação a A, deixa de ocorrer em relação a B. Não há sobreposição, ou sempre que tal pareça ocorrer, surgem fragmentações. Estar, por exemplo, em relação com uma pessoa ou situação, em função de outra, é uma transposição que desvincula, pois na sobreposição os elos se quebram. Quebrar e colar é uma constante quando o outro é percebido como objeto de desejo, como meta, como resultado de avaliação: tem a ver comigo, não tem a ver comigo, me é conveniente ou inconveniente etc.

Quando digo que tudo é relação, que através da relação perceptiva se estruturam sujeito e objeto, tanto quanto se categorizam as dimensões temporal e espacial, estou afirmando que a percepção é o estrururante relacional. Ao perceber sou sujeito que percebe objetos; ao perceber que percebo sou objeto e o sujeito é a minha percepção. O perceber que percebe é o reconhecimento, a constatação, a vivência de memória, o pensamento. Em situações cotidianas, é a divisão existencial. O contexto do fenômeno perceptivo é a essência humana, ou seja, a possibilidade de relacionamento. 

Perceber o outro sem a priori estabelece um vínculo, seja de amor, de ódio ou simpatia. Esses vínculos são as trajetórias relacionais, arquivadas pela memória, pelos dados do passado atualizados quando presentes. Viver em função de manter vínculos ou de alcançar novos vínculos é alienador, pois o que se torna pregnante e importante é a manutenção, é o alcançar, e consequentemente, os vínculos desaparecem ao tornarem-se hábitos ou premências a serem atendidas.

Vínculos permitem continuidade tanto quanto aprisionamento quando transformados em posições, regras e compromissos a partir dos quais o mundo é percebido; eles configuram as possibilidades de vida e quando reduzidos à satisfação de necessidades criam dependentes, sobreviventes escorados nas possibilidades, transformando a dinâmica em alternância pendular, medida por fases e ritmos.




- “O Pintassilgo” de Donna Tartt

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