Lutas e acomodações
Toda revolta, toda proposta de mudança, toda aceitação, enfim, qualquer comportamento está estruturado em um contexto à partir do qual as situações são percebidas.
Perceber o que acontece, perceber o que se deseja, tanto quanto perceber qualquer coisa, implica em um Fundo, em um contexto estruturante*. Neste sentido, as motivações individuais criam as diferenças e tonalizam os graus de firmeza ou fraqueza nas adesões, nas ações reivindicatórias. Tomemos como exemplo os movimentos grevistas: médicos em greve, todos reivindicam melhoria de condições de trabalho e salário, mas com contextos e atitudes individuais diferentes, que vão da acomodação à revolta, atitudes estas, que determinam cooptação ou oposição.
As reivindicações sempre estão comprometidas com a divisão do contexto, com as pressões do que apoia/oprime. O patrão que explora é o mesmo que sustenta, a família que apoia é a mesma que limita e assim por diante. Nestes contextos, a flexibilização, a contemporização são amortecedores constantes do que é reivindicado.
Reivindicar é tentar transformar submissão em atividade e geralmente se consegue que alguma coisa seja transformada, mas sempre dentro de limites, de regras e concessões. Criam-se novos patamares para que os processos se desenvolvam, no entanto, as relações apoio/opressão continuam; tem sido assim com a luta de classes, por exemplo, algumas mudanças se observam, leis de proteção, etc, mas a questão é a mesma: explorados e exploradores permanecem, o paradigma não foi mudado.
Nas relações afetivas dentro e fora da família, pais e filhos, marido e mulher, amantes, amigos, os discordantes também são cooptados quando os processos reivindicatórios se constituem em contexto fundamental de realização das demandas motivacionais específicas. O reivindicante não questiona, ele demanda, busca soluções. Esperar, compreender, aceitar o limite imposto pelo outro sem questionamento transformador, estrutura empecilhos e impedimentos à integração e harmonia. Quanto mais “pistas de obstáculos” são construidas, mais necessidade de regras, habilidades e reivindicações surgem, transformando as possibilidades de relacionamento humano em prisões, em limites, e assim, através de reivindicações, melhorias são atendidas e necessidades são minoradas, tanto quanto o ser humano fica limitado às suas necessidades, opressões e desejos de liberdade e mudança.
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* - A organização perceptiva obedece a leis (Gestalt Psychology) cujo
princípio básico é o de que toda percepção se dá em termos de Figura e
Fundo; percebemos o elemento figural e o Fundo nunca é percebido embora
seja estruturante da percepção. Existe sempre uma reversibilidade entre
Figura e Fundo, o que é Figura transforma-se em Fundo e vice-versa.
Quando percebemos um carro trafegando na rua, por exemplo, esta Figura, o
carro, está estruturada em um Fundo, a rua; modificações na rua,
modificam a percepção do carro e se chamamos a atenção para a rua, esta
passa a ser Figura e o carro passa a ser Fundo do percebido.
- “O Sujeito Selvagem - Pequena Poética do Novo Mundo” de Christian Kiening
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