Subterfúgios legitimados

Cada vez é mais frequente e necessário estabelecer critérios e preferências através de situações validadoras. Isto permite operacionalização, escolhas e garantias.

Em um sistema, em uma sociedade que privilegia resultados, inúmeros parâmetros são estabelecidos e essas bitolas permitem separar o adequado do inadequado, o útil do inútil. Valoriza-se títulos institucionalizados que garantem legitimidade de operação. Acontece que quando se arbitra o que é legítimo ou ilegítimo, nega-se processos, pois legítimo é o intrínseco, não pode ser padronizado, e quando o é, por meio de artifícios como as transformações ou as molduras adquiridas pela institucionalização, por exemplo, legitimidade se transforma em selo de garantia, consequentemente, em aderência padronizada e hierarquizadora.

Fazer parte de uma instituição não garante ter condições nem habilidades para o que é construído e criado pela instituição. Instituições também sofrem desgastes em seus processos e quanto mais se firmam e significam, mais são ampliadas no sentido de proteger e garantir os que nela se escoram. Vemos esta distorção nos prêmios e concursos literários, assim como no Oscar, no Nobel, lembrando também das Academias, instituições de pesquisa e escolas. Geralmente, premiações e títulos são concedidos e são necessários em função de estratégias políticas, estratégias comerciais, que ultrapassam e derrubam o conceito estabelecedor das instituições.

Ser incapaz, e mesmo assim, ser abrigado em uma destas instituições, é uma maneira de exercer legitimamente o que não se tem condições, mas, se tem autorização. Ancorados em posicionamentos residuais, funcionam cada vez mais à mercê do arbitrário, das manipulações políticas e do mercado. Nesta atmosfera, as garantias institucionalizadas se transformam em polarizantes acobertadores de insuficiências e inadequação.

Desse processo surgem a impunidade, o autoritarismo e também distorções responsáveis por imensos preconceitos na esfera individual, na qual o correto, o legítimo, passa a ser sinônimo de institucionalizado, gerando a atitude de verificar os sinais, as molduras, percebendo, cada vez menos, o que está emoldurado. Basta uma boa moldura e garatujas são compradas como arte abstrata, por exemplo, e assim por diante segue esse processo de distorção, de transformação da parte em todo, que permite admirar o escuso legitimado.





- “Memórias do Subsolo” de Fiódor Dostoiévski

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