Cordialidade e violência

A cordialidade, o agir de coração, o ser generoso, dadivoso é um dos traços nacionais, segundo Sérgio Buarque de Hollanda. “O brasileiro é cordial", durante muito tempo se pensou assim e causa espanto a constante violência exercida na família, na política, nas grilagens, na usurpação de direitos exercida pelos brasileiros. Como entender? Foi a colonização? São as necessidades que desvirtuaram essa cordialidade?

O brasileiro é cordial, age por coração, é espontâneo em seus desejos e necessidades, como é feliz por viver em um país tropical debaixo do Equador, ou seja, é circunstancial, dedicado a suprir necessidades e tudo aproveita do que lhe é apresentado. Um episódio recente desencadeou uma reação de grande proporção, reverberando nas redes sociais e outros veículos, que bem demonstra a violência insuspeita dos brasileiros, a enorme desproporção entre delito e punição reivindicada. Trata-se da condenação à morte, de um brasileiro na Indonésia, por tráfico de drogas. Esta condenação foi apoiada por grandes contingentes aqui no Brasil, que encararam o episódio como exemplo a ser seguido também aqui, inclusive estendendo-se a ladrões e outros delinquentes. Nenhum questionamento, nenhuma discussão sobre a inadequação da aplicação da pena capital para alguns delitos, apenas aprovação.

Entendendo cordialidade no contexto da espontaneidade, vemos que não exclui a violência. A imaturidade gerada pelo não questionamento, pela aceitação passiva da submissão sobrevivente debaixo do chicote do colonizador, do feitor, mas também das Forças Armadas e agora dos corruptos, criou trejeitos e estratégias na maneira de sobreviver brasileira e se é que se pode particularizar, tem o modelo vitorioso do drible futebolístico, consagrador da improvisação, do jeitinho brasileiro.

Estabelecer tipos, regras e características é uma maneira de negar processos e realidades. Dizer que o brasileiro é cordial é negá-lo como ser universal, como ser no mundo, igual ao cidadão de qualquer outro país ou região. Estereótipos, clichês e resumos estabelecem kits responsáveis por explicações prêt-à-porter que nada identificam, mas tudo rotulam e explicam. Em muitas situações também encontramos estes resumos de atitudes, que dificultam o entendimento de comportamentos, como: pai autoritário, mãe bondosa, etc.

Para caracterizar é preciso apreender as configurações estruturais das evidências.




- Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Junior

verafelicidade@gmail.com

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