O Nada - sem expectativas
Estar contido, limitado pela vivência do presente é o que acontece em situações prisionais, conventuais e de exílio, onde a falta de perspectivas caracteriza a vivência cotidiana. Geralmente, toda situação de sobrevivência transforma o presente, o aqui e agora, em um ancoradouro, um porto seguro. Órfãos de guerra, crianças abrigadas por conventos e outras instituições são um exemplo onde a vida começa no intervalo do término. Não há antes, não se tem mais laços, não se tem contatos com o anterior estruturante de vivências. A nova vida é esgotada no agora, qualquer interrupção da mesma é a descontinuidade estruturadora de questionamentos, dúvidas e conflitos.
Sem referenciais, sem respaldos, sem história - arquivos responsáveis por preferências e antipatias - o indivíduo colapsa e, ao se voltar para o existente, percebe estranheza: as familiaridades circunstancialmente estabelecidas não se mantêm.
Da mesma forma, ao se voltar para o novo, ele é tragado por incertezas geradoras de buscas constantes e de garantias. Neste momento a ordem sobrevivente se restabelece: o que virá depois? A incerteza da resposta aumenta o desespero da pergunta. É criado um caminho privilegiando a não expectativa, o nada acontecer, o Nada como tranquilidade. Esta parada é a pausa necessária para instalar a transformação e permitir quebrar ilusões (expectativas já amealhadas). A entrega, a não expectativa é o Nada que permite superação de conflitos e de ansiedades, é a entrega à própria realidade, o reconhecimento de sua curta história - depois do período de sobrevivência - que já estrutura vínculos e finalidades.
Aceitar o vazio é uma forma de renovação, é a quebra de expectativas. Todo momento de decisão implica em superar compromissos. Não ter expectativas é uma maneira de não deslocar propósitos, não deslocar compromissos, não criar novos contextos para os mesmos. Quando nestes dilemas e dúvidas a não expectativa é pregnante, surgem possibilidades que geram o Nada aliviador. A possibilidade do não, configura tranquilidade e esperança. A vida muda ao permanecer.
- “Manicômios, prisões e conventos” de Erving Goffman
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