Empenhos
Frequentemente, no afã de realizar os próprios desejos, se estruturam processos de cuidar do outro, de se dedicar ao outro. Pais e mães dedicados aos próprios filhos, por exemplo, os absorvem de tal modo que impedem o desenvolvimento de vida própria dos mesmos, constuindo assim, representantes de si próprios, mais tarde responsáveis pela manutenção e continuidade dos desejos familiares. Este empenho leva a sintonias, mas também pode ser dissonante, dissociado da própria individualidade. Realizar o esperado pelos pais é anulador: a transferência de sonhos e propósitos se dá sempre em um outro contexto e atmosfera, causando tensões aparentemente inexplicáveis, criando incapazes, viciados e desorganizados, tanto quanto brilhantes representantes do que foi ensinado, representantes dos treinamentos despersonalizadores.
Em função dos empenhos buscados e realizados, as relações dentro das famílias vêm se desagregando cada vez mais. Hipotecar desejos e sonhos, por exemplo, cria dependências, compromissos e medos. Tudo fazer pelo marido, pelo parceiro é uma maneira de comprometê-lo quando os objetivos estão além do próprio exercer do cuidado. O mesmo ocorre com o constante satisfazer, prover e proteger, propiciado por homens às suas mulheres. A extrapolação de propósitos, desejos e medos, amplia os territórios de adaptação, criando impessoalidade e isto é totalmente diverso do que se busca, que é algo específico e apenas dirigido ao amado, ao cuidado, ao protegido. Propiciar, proteger, cuidar são transformados em alavancas dinamitadoras da individualidade, quando se substitui realidades a serem vivenciadas por resumos eficientes.
Enfrentar as próprias dificuldades, lidar com dúvidas, medos e ansiedades é estar no presente com o outro. Caso este presente seja sonegado, obnubilado, surgem ambiguidades incapacitadoras ou até mesmo realizadoras, que substituem processos e estabelecem regras - o "como fazer” diante do outro, do mundo e de si mesmo - que embora realizem propósitos, criam frustrações e ansiedades.
Medo, falta de iniciativa, rigidez, preconceitos, tédio e depressão são os lucros (prejudiciais) auferidos destes empenhos. Empenhar-se é quebrar, limitar, diminuir e solapar possibilidades e amplitudes vivenciais.
Certezas de ajuda e compreensão criam também os empenhos de manutenção e cuidados. Seguir a linha, o caminho indicado, geralmente é uma repetição que acena para vantagens, tanto quanto cria as regras, métodos e soluções não individualizadas.
Viver é descobrir, não é repetir. Toda repetição traz em si condições alienantes, desde que se refere a horizontes temporais diversos dos presentificados. Agir pela memória é utilizar arquivos, resumos, ao passo que descobrir é ampliar os processos perceptivos, é pensar diferente, é não repetir, é criar.
- “A demolição do homem - Crítica à falsa religião do progresso” de Konrad Lorenz
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