Precariedade

Quando se vive com expectativas, esperando resultados, torcendo para que sonhos e desejos se realizem, instala-se precariedade no cotidiano, na própria vida.

A instabilidade, a insegurança, a vivência de falta, de não atendimento de demandas é constante. Essa precariedade resulta de não se viver o presente, de não se aceitar dificuldades e frustrações. Querer melhorar e ultrapassar dificuldades, sem considerar o que as determinam e ensejam, é uma atitude de não aceitação que gera revolta e ansiedade, matéria-prima da raiva, inveja, medo e intranquilidade. Flutuando, sem apoio no existente, pois o existente é o que se deseja ultrapassar, o indivíduo, inconsistentemente movimenta-se em função do que o protege e justifica, paradoxalmente se abriga nos próprios problemas, pois os mesmos justificam todas as suas dificuldades e vicissitudes.

Agarrar-se em dogmas, em crenças, utilizando respaldos do que é garantido, do que funciona cria instrumentalização e reutilização. Nada é original, nada é próprio, tudo é de segunda mão, de reapropriação. Nessa utilização são fabricados protetores e imagens que estabilizam as inseguranças.

A insegurança estabelecida, conhecida ou escondida cria hábitos e até mesmo disciplinas, rotinas que quanto mais repetidas, mais estabelecem monotonia e tédio. É a depressão: tudo é pouco, tudo falta. Acontece que perceber isso também é limitador e como essa vivência não está ancorada, estabelecida no presente - é baseada em não aceitação de limites - surgem deslocamentos gerados pela constatação da não saída. O indivíduo descobre que nada significa, nada tem sentido, coroando assim, a precariedade de sua existência no despropósito da insatisfação, frustração e desespero. A dinâmica continua até que surgem processos equivalentes a autofagia, o devorar-se a si mesmo como maneira de ocupar tempo e espaço. Esse processo de divisão cria duplos, clones, cascas e resíduos, verdadeiros entulhos que mais aumentam o viver precário. A abundância da representação, das imagens é esvaziadora, enfatizando a precariedade.

Povoar o presente esvaziado, agarrando-se ao que se deseja, ao que se fantasia cria quimeras e medos. Destrói bem-estar, gera intranquilidade, afetando também o rítimo orgânico: sono, fome, sexo são enfatizados seja por excesso, seja por falta.

Precariedade se caracteriza pelo que falta, o que se repete, o que sobra, é o limite não aceito, é o presente negado. Enfrentar o dia a dia, limitações e frustrações, propicia motivação e isso faz superar limites integrando-os ou superando-os, transformando o anteriormente vivenciado como precário, em fonte de abundância e realização.




- “Ascese” de Nikos Kazantzákis

verafelicidade@gmail.com


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